Desejo de matar

24 julho 2016
Quando “Desejo de Matar” com o saudoso Charles Bronson foi lançado nos cinemas em 1974, muitas pessoas sequer imaginavam que a história havia sido baseada num romance policial publicado dois anos antes do filme. Livro e filme são verdadeiros contrastes: o primeiro, um fiasco; o segundo, um sucesso inquestionável.
A produção cinematográfica que elevou, na época, o nome de Bronson a categoria de atores mais bem pagos de Hollywood fez tanto sucesso que ganhou mais quatro sequências. A franquia de filmes só terminou em 1994 com “Desejo de Matar V: A Face da Morte”, durando exatos 20 anos.
Quanto ao livro... Infelizmente, ninguém se lembra. Digo infelizmente porque a obra de Garfield é muito boa e por isso, não merecia ter permanecido no limbo.
O autor conta a história de Paul Benjamin (no filme o nome do personagem foi alterado para Paul Kersey), um pacato e obeso arquiteto de Nova York que decide sair passando fogo na bandidagem depois que sua família é violentamente atacada por um bando de marginais. A mulher de Benjamin é espancada e morta. Quanto a filha, após sofrer nas mãos dos criminosos, não suporta tanta brutalidade e acaba ficando em estado catatônico para sempre, sendo internada num manicômio. Isto é demais para Benjamin que percebendo a ineficiência da polícia que não consegue descobrir os autores do crime, resolve fazer justiça com as próprias mãos.
Mas a sua justiça é distinta. Ele não sai em busca de vingança contra os homens diretamente responsáveis pelo crime; pelo contrário, Benjamin nunca os encontra. Furioso com o fato de os cidadãos honestos serem prisioneiros numa sociedade dominada pelos marginais, o outrora pacato arquiteto torna-se um justiceiro que passa fogo em todo e qualquer bandido que encontre pela frente, punindo o crime em geral.
Este é o resumo do livro e também do filme, já que ambos são semelhantes. Os produtores optaram por uma adaptação fiel da obra de Garfield, excetuando o nome do personagem principal que foi trocado. Ah! A sua forma física também, já que Paul Benjamin é um cara obeso, enquanto o Paul Kersey de Bronson não tem nada de gordo.
Você que assistiu ao filme pode questionar: “Se livro e filme são parecidos porque perder tempo lendo a história?” A resposta é simples: lendo o romancevvocê vai acompanhar, em detalhes, as mudanças psicológicas do personagem, o que não ocorre no cinema.
Garfield mostra a desconstrução de um perfil psicológico e a construção de outro totalmente diferente. Não espere encontrar no livro a mesma ação e tiros do filme. Nas páginas, a ação cede espaço para o drama, as dúvidas, medo e revolta de Paul Benjamin, conhecido como “O Justiceiro”. O leitor presencia a transformação de um homem pacato em uma pessoa psicótica que quer eliminar todo ser humano, o qual julgue ser um criminoso, que cruze o seu caminho. Basta o sujeito colocar a mão no bolso para retirar um maço de cigarros ou a carteira que Benjamin já estará pensando que ele vai sacar um revólver ou uma faca. O lado violento e racista do personagem também é exacerbado no livro. Vejam só o seu raciocínio no momento em que viaja num vagão de trem lotado de passageiros: “Surpreendeu-se olhando para todos os rostos como se procurasse entre a multidão de passageiros alguns que ainda pudessem ser salvos. Quem quisesse fazer alguma coisa a respeito do excesso de população, ali era o lugar para começar. Contou as cabeças e descobriu que dentre os cinqüenta e oito rostos, sete pareciam ser de pessoas que tinham direito à sobrevivência. O resto era carne de canhão... Era fácil ver nos corpos e rostos que não mereciam viver, que em nada contribuíam, a não ser a sua catinguenta existência. Para que poderiam servir? Melhor seria exterminá-los”
Já no filme, vemos um vigilante menos psicótico, já que não temos acesso aos seus pensamentos mais intimos. A vantagem do romance é que o autor deixou um pouco de lado as cenas de caçada aos criminosos – acho que são quatro ou cinco e descritas de maneira bem sucinta – para investir na composição do personagem.
Por isso galera, vale muito a pena sim, ler o livro.


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