Há livros pelos quais não damos a mínima atenção. Geralmente são aqueles que ganhamos de presente de aniversário, mas que apesar da boa vontade daquela pessoa que nos presenteou, não faz parte do nosso gosto literário. Pode ser uma obra jornalística para determinado leitor que seja fissurado em romances; um livro de poesias para quem foge de rimas e versos ou ainda a obra muito elogiada de um escritor “bã-bã-bã” o qual odiamos. Sendo assim, não existe outra alternativa se não agradecermos o presente e depois colocarmos em nossa estante e o deixarmos lá, em estado de hibernação... bem quietinho.
Sempre digo que presentear alguém com livros e complicado. É uma tarefa que exige pesquisa; temos que bisbilhotar o gosto daquele alguém que pretendemos presentear para não brindá-lo com um “presente de grego”.
Passei por isso, recentemente, quando ganhei um livro de um autor que não fazia parte do rol dos meus preferidos. Um amigo cismou que eu tinha predileção por obras que abordassem assuntos relacionados à área médica. Não me perguntem o porque dele ter pensado isso; simplesmente não saberei responder. Mas um dia, quando acabei de chegar na empresa onde trabalho; esse meu amigo entrou em minha sala com um sorriso no rosto, colocou um embrulho “substancioso” na mesa e disse: “- Toma é teu, acabei de comprar, espero que goste”. E ficou parado, esperando que eu abrisse o pacote. Na hora saquei que eram livros, uns três ou cinco, pelo tamanho do presente. Na hora começou a passar um desfile de autores prediletos em minha cabeça., mas quando abri o pacote... Quatro livros do Frank G. Slaughter!! Detalhe: não curto nem um pouquinho ou poucão esse autor. E pra variar, três dos quatro livros do pacotão eu já tinha tentado ler. Vejam bem, disse “tentado” porque não consegui e olha que não tenho o hábito de abandonar a leitura de um livro.
Resumindo: eles ficaram guardadinhos em minha estante. Um dia, uma prima ao visitar a minha casa, bateu o olho num dos quatro livros e soltou a exclamação: “José! Esse livro é fantástico, acabei de ler!” Ela estava se referindo a “Médicos em Perigo”, o único dos quatro romances do Slaughter que ganhei e que ainda não tinha lido.
Bem, em respeito a opinião de minha prima que tem um gosto refinado quando o assunto é literatura, resolvi encarar a obra. Ao concluir a leitura das quase 300 páginas com letras miudinhas, só posso dizer que amei a história. Pera ai! Ainda não acredito que disse isso sobre um livro de Frank G. Slaughter. Mas tudo bem... disse e ponto final (rs).
O livro é focado no personagem Mark Harrison, um jovem médico com um futuro promissor pela frente. Ele é especialista no campo da micro-cirurgia. Vale lembrar que na época em que o livro foi escrito, 1984, essa área da medicina ainda era considerada um verdadeiro tabu, mas Slaughter, após minuciosa pesquisa conseguiu juntar informações convincentes sobre o assunto; tão convincentes que ele ganhou o status de um escritor visionário, pois tudo o que ele colocou no enredo sobre o assunto, acabaria se tornando realidade anos depois.
Mas voltando a escrever sobre a história de “Médicos em Perigo”, Mark acaba jogando toda a sua carreira pelo ralo quando se torna um viciado em drogas médicas, e diga-se, drogas bem pesadas. A partir daí, a sua vida transforma-se num verdadeiro pesadelo, pois para poder desempenhar as suas atividades profissionais, ele precisa da tal “mardita” e a cada perfuração nas veias do braço para injetar o “veneno”, ele vai perdendo um pouco do seu verdadeiro eu.
Frank G. Slaughter não usa meias palavras para abordar esse outro lado da vida de muitos médicos que se tornam viciados em anfetaminas e outras drogas mais pesadas. Mas por que será que cirurgiões que tem todas as possibilidades de se tornarem milionários e famosos em suas áreas acabam se sucumbindo ao mundo das drogas? O autor procura esclarecer essa dúvida através do personagem principal de seu romance e de outros que trabalham na mesma clínica de Mark.
“Médicos em Perigo” dá uma visão ampla do mundo podre da medicina, ou seja, do jogo de interesses envolvendo médicos, donos de clínicas e grandes hospitais que visam apenas o lucro em suas ações; da concorrência entre colegas de trabalho que pode chegar aos extremos; da exploração pela qual os médicos recém formados acabam se tornando vítimas, sendo obrigados a cumprir uma carga horária desumana. É esse o “o ambiente predador” onde Mark é jogado.
Ao aprofundarmos na leitura da obra passamos a entender os motivos que levam um médico jovem e talentoso, com um futuro maravilhoso pela frente a se “prostituir” em seu meio.
O final do romance é de tirar o fôlego. Quando acompanhamos Mark Harrison entrando na sala de cirurgia, onde por força das contingências do destino, é obrigado a realizar uma delicada operação em um paciente, a vontade que temos é de chegar logo nas últimas páginas para saber se ele se recupera ou se enterra de vez. Com as mãos trêmulas, o outrora promissor médico mal consegue segurar um bisturi e muito menos amarrar as alças de sua máscara cirúrgica.
Posso garantir que Slaughter brinda os seus leitores com uma surpresa nada convencional no final da trama envolvendo o protagonista da trama. Juro que o meu queixo caiu e que jamais imaginava um final daquele tipo para o personagem.
Enfim, valeu a leitura e muito! Aliás, não acredito no que vou dizer agora... “Curti aos extremos o livro de Frank G. Salughter”... logo o Slaughter que eu abominava, chegando ao ponto de abandonar a leitura de suas obras que eu achava horrorosas.... São coisas da vida.
Valeu prima pela indicação!
2 comentários
Também lí o livro, a droga que o personagem utilizava era o demerol, um potente relaxante muscular.
ResponderExcluirExato, Pedro.Bem observado.
ExcluirO nome da droga era esse.