Isabel Allende exorciza os seus fantasmas em “O Caderno de Maya”

21 dezembro 2011
Imagine o drama de uma mulher que se dedica de corpo e alma para os seus três enteados, vivendo num lar harmonioso juntamente com o seu marido. Então, ela presencia a prisão de seu enteado mais velho por porte de drogas, logo depois, o mais novo também ingressa no mundo dos tóxicos e para largar o vício, inicia uma verdadeira peregrinação em várias clinicas de reabilitação, sempre acompanhado pela madrasta e o pai. Como não bastassem esses dois golpes, a enteada do meio, de 28 anos, acaba morrendo de overdose após ter usado praticamente todos os tipos de drogas que existe na fase da terra.
Com a morte dos três rapazes, o casal mergulha no fundo do poço, já que o pai amava os seus filhos de paixão; quanto a mulher, mesmo sendo madrasta, tinha um carinho enorme pelos “meninos”. Para sair do fundo do  poço é difícil, quase impossível; mas o casal se agarra em todas as esperanças e consegue reiniciar a sua vida.
Quer saber quem é essa mulher? Ela se chama Isabel Allende. E esse relato é um pequeno resumo do que aconteceu durante duas décadas em sua vida.
A escritora chilena, naturalizada americana, criadora do mega romance “A Casa dos Espíritos”, considerado um dos maiores sucessos da literatura mundial, após sentir na pele durante 20 anos o problema das drogas em família resolveu escrever um romance sobre o assunto numa forma de exorcizar os seus fantasmas através da personagem Maya, uma jovem americana de 19 anos que se muda para o Chile, depois de se envolver com as drogas, prostituição e outros problemas mais.
Ao se mudar definitivamente para os Estados Unidos, já com a intenção de se naturalizar, Allende conheceu William Gordon, que viria se tornar um eminente promotor. Ao se casarem, ele já tinha três filhos – dois homens e uma mulher – que aos poucos foram se enveredando pelo mundo das drogas. Durante mais de 20 anos, Allende pode ver de perto a devastação de seu lar provocada pelas drogas. Ela conta que o enteado mais velho foi preso, passou por clinicas de reabilitação e só agora, recentemente, aos 47 anos conseguiu se livrar do problema. O mais novo, tem atualmente 25 anos, usou heroína por 10 anos e, também, só agora conseguiu se livrar dela. Já a filha do meio que se chamava Jennifer não teve tanta sorte. Ela morreu aos 28 anos após ter consumido todos os tipos de drogas ao longo de sua vida.
Estava lendo uma entrevista da escritora onde ela dizia que após esse vendaval em sua vida, acabou adquirindo o hábito de anotar em um caderno, durante 20 anos, todo o sofrimento dos filhos de seu marido. Allende não explica o motivo dessa atitude, mas acredito que ela tenha feito isso como uma forma de desabafo, caso contrário acabaria ficando louca enfrentando uma situação desse tipo.
A escritora faz questão de frisar que a personagem de “O Caderno de Maya” não foi baseada em Jennifer. Allende explica que a sua enteada sofreu com as drogas praticamente a vida toda, enquanto, Maya é uma jovem saudável, além de atleta, mas tem o azar de ver a sua família se desestruturar numa fase complicada de sua vida, ou seja, não tão decantada adolescência. No caso de Maya, esta teria sido a porta para a entrada no mundo das drogas e da prostituição.
Escritora Isabel Allende
Allende explica que Maya foi inspirada em duas de suas netas: uma intelectual que é escritora, já começando a seguir os passos da avó famosa, e a outra, com espírito aventureiro que faz com que a família acabe ficando ligada em seus atos o tempo todo. Ela acrescentou que escreveu o livro como uma forma de alertar não só as suas netas, mas também os jovens, de um modo geral, quanto ao poder avassalador das drogas na vida de uma família. E ela, mais do que ninguém, sabe disso.
Mesmo que não tenha admitido, creio que “O Caderno de Maya”, também foi escrito como uma maneira de Allende exorcizar os seus fantasmas do passado, colocando pra fora eventos tristes e trágicos que vitimaram pessoas queridas ligadas à ela, ou seja, os três filhos de seu marido.
“O Caderno de Maya” foi lançado pela Editora Bertrand Brasil na semana passada e já está à disposição dos leitores brasileiros.
Mas cuidado; não compre o livro pensando se tratar de uma leitura leve direcionada ao público adolescente. Como a própria escritora alerta, “O Caderno de Maya” tem passagens bem pesadas e nada recomendáveis para essa classe de leitores. É uma obra, essencialmente, para o público adulto. Com certeza, já entrou na lista das obras que estarei lendo futuramente.

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