Cena do filme que estreou em outubro nos EUA e chega ao Brasil em fevereiro |
Há estórias de escravos e também histórias de escravos.
Calma aí que eu vou tentar explicar. Deixe-me divagar um pouquinho, prometo que
serei breve. Bem, na época dos meus 10
ou 12 anos, lembro vagamente que tinha o hábito de ficar fuçando nos
livros do meu irmão mais velho e foi durante essas fuçadas que acabei me
apaixonando pelos romances sobre escravidão e abolicionismo. Quando chegava em
casa, após as aulas, engolia a comida do almoço e já mergulhava no mundo mágico
criado por José de Alencar, Bernardo Guimarães e Maria Pacheco Fernandes. E
neste mundo imaginário, por mais que os escravos sofressem injustiças no corpo
e na alma, no final, um deles ou alguns deles sempre conseguiam se levantar e
dar a volta por cima; contando, é claro, com a ajuda de uma patroa ou patrão
bonzinho. Cara, eu chegava a ficar com
ódio de tantas injustiças cometidas, coisas atrozes, mas depois respirava
aliviado e até mesmo vibrava com a vitória dos escravos sofredores e o castigo impingido
aos coronéis e seus capangas algozes. Moral da história: o lado do ‘mocinho’
sempre vencia, enquanto os ‘bandidões’ levavam aquela fumada gostosa.
Pois é, essa imagem romanceada do período
escravocrata me perseguiu por muito tempo, talvez devido ao meu comodismo, já
que não procurei ler outras obras sobre o assunto e digamos que... acabei
parando no tempo. Então, na semana passada descobri que já estava disponível na
Internet o filme “12 Anos de Escravidão” do diretor britânico Steve McQueen que
está concorrendo a uma batelada de Oscars. Não pensei duas vezes: fiz o
download do filme e depois da legenda. Putz galera, desculpem aí, sei que essa
atitude não foi legal, afinal de contas, a obra cinematográfica de McQueen só
deve estrear no Brasil em 21 de fevereiro, por isso... bem... ficou um clima
meio que de pirataria no ar. Mas quer saber de uma coisa: que se dane! A
vontade de ver um filme sobre um tema que havia despertado precocemente a minha
curiosidade literária era muito mais forte do que esse tipo de escrúpulo.
Quando terminei de assistir “12 Anos de Escravidão”
fiquei completamente atordoado, mas grato porque o filme de McQueen, com
certeza, desmistificou a chamada falsa escravidão, mostrando sem meias verdades
a crua, dura e sangrenta realidade do período da escravatura americana e que
não difere muito do Brasil.. Nesta realidade, a escrava sofredora não se casava
com o ‘sinhozinho’ que flechado por cupido passava a carregar um caminhão de
concreto por ela. Esta realidade não vendia mentiras ou contos de fadas. Nela
havia o impacto de um chicote no corpo nu que mutilava a carne, retirando
lascas de pele e sangue. Não havia senhores de escravos bonzinhos e nem namoro
de homem branco com escrava negra. Ao invés desse paraíso, há a verdade crua
dos estupros de escravas, a agressão dessas escravas pelas mulheres dos
coronéis; além das sessões de tortura que faziam inveja ao próprio Marquês de
Sade. Enquanto que nos livros que eu lia em minha infância, os escravos sempre
venciam, no filme de McQueen, eles morriam.
Capa original do livro |
Após assistir a “12 Anos de Escravidão” passei a
dizer que existem histórias e Histórias de escravos. Com certeza, o filme de
McQueen é uma História. Capiche?
Os leitores desse post devem estar questionando
porque dou tanta credibilidade para esse filme. É simples pessoal. A história
foi baseada num livro escrito por Solomon Northhrup, um escravo que viveu essa
realidade. Ele estava lá, no meio do inferno e registrou tudo com os seus
olhos. E mais; ele conseguiu sobreviver a esse inferno para depois poder
escrever as suas memórias. E a boa notícia para todos os leitores que
acompanham esse blog é que o livro autobiográfico publicado em 1853 e que
inspirou o filme de McQueen será lançado no Brasil no final de fevereiro, na
mesma data que a produção cinematográfica estrear aqui na terrinha.
Solomon foi um homem negro que nasceu livre e permaneceu
assim por mais de trinta anos durante um período em que os Estados Unidos vivia
em pleno regime escravagista. Ao fim
desse período, Solomon - um afro-americano descendente de
escravos - que era uma pessoa culta e um
violinista de grande talento acabou recebendo uma falsa proposta de trabalho, sendo
seqüestrado, drogado e comercializado como escravo na região do Rio Vermelho,
no estado de Louisiana. Ele permaneceu nesta situação durante 12 anos, sofrendo
os piores horrores que um ser humano pode imaginar: humilhações, açoites,
espancamentos, etc e mais etc. Presenciou ainda o sofrimento e o assassinato de
muitas pessoas que ao longo desses 12 anos haviam se tornado seus amigos do
coração. Ele também chegou a conclusão de que para sobreviver, jamais poderia
revelar que era alfabetizado e culto.
Solomon conseguiu a sua liberdade após ser resgatado por um advogado
abolicionista que no filme é interpretado por Brad Pitt. Ele escreveu o livro
em seu primeiro ano de liberdade e também tornou-se um palestrante muito
conceituado em todo o nordeste dos Estados Unidos. Enfim galera, tanto livro
quanto o filme são verdadeiros exemplos de superação.
A obra literária deve ser lançada pela Penguin Companhia, selo da
editora Companhia das Letras. Com certeza, o ‘livrão’ já foi incluído com
antecedência em minha lista de leitura e como direito a furar a fila.
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