A coisa tá complicada. Não que eu seja um
“borra-botas”, mas confesso que agora, enquanto estou escrevendo esse post, um
friozinho na espinha me incomoda. Putz! É duro para um jornalista
cinqüentenário que já passou por situações complicadas e até mesmo perigosas admitir
que ficou impressionado (para não dizer com medo) com a história de um livro.
Isto mesmo, um livro, que ele não quer continuar a leitura porque está sozinho
em casa, com a lâmpada da sala queimada – sem outra para repor – além dos
ponteiros do relógio de seu quarto acusar que já se passam da 1H30 da madrugada.
O livro que me deu uma ‘fraquejada’ nas pernas não
foi “A Tumba”, de H.P. Lovecraft, mas outro, chamado “A Corrente – Passe
Adiante”, do Estevão Ribeiro. Ô livrinho foda! A tal Bruna do enredo arrebenta
os nervos de qualquer leitor. Sabe aquela cena do filme “O Chamado”, em que um
sujeito está na frente da televisão observando a imagem de um poço, então, de
repente, percebe que algo estranho vai saindo das suas profundezas, e esse algo
é uma criança diabólica que caminha de uma forma esquisita – meio torta, meio de
lado, sei lá - até dar um bote - como uma cobra – saindo do interior da TV e
pulando em cima do pobre coitado que assiste a tudo aterrorizado? Então,
multiplique o medo e a tensão dessa cena por 10... Pronto! É o que a historia
do Estevão faz contigo.
E para complicar ainda mais, hoje antes de ir
embora, a minha faxineira, me pegou no flagra olhando debaixo da cama. Tudo
bem, tudo bem, confesso que tenho esse hábito. Sei lá, pode ser um tique ou uma
mania, mas na verdade, esse gesto me deixa tranqüilo antes de deitar ou
descansar na minha caminha macia; quer dizer, me deixava até há poucas horas,
antes da dona Benedita, a faxineira, exclamar:
- Faz isso não ‘seo’ José!
- Ué? Porque?, respondi.
- É que uma amiga minha tinha essa mesma mania;
então numa noite quando ela se abaixou prá olhar debaixo da sua cama....
Cara! Deixa quieto! Não vou repetir o que a Dita me
falou! Mesmo porque foi algo tão surreal que jamais poderia ter acontecido com
a coitada da ‘vítima’ que espiou debaixo do seu leito. Mas mesmo assim, somado
à luz queimada da sala, ao livro “A Corrente”, à minha solidão e à hora
avançada, me deixou, digamos, que incomodado ou com.... com... vá lá, medo
mesmo!
Por isso, talvez, num gesto de auto-afirmação
resolvi combater o meu medo escrevendo sobre o medo. Deu pra entender? Se não
deu, paciência; sei que estou meio complicado, hoje... Pois bem, fui até a
minha estante e apanhei o livro “A Tumba e outras histórias”, de H.P.
Lovecraft, que já havia lido há alguns meses. Mesmo porque não estava afim de
encarar “A Corrente, passe adiante” quando os ponteiros do meu relógio marcavam
quase duas horas da madruga. Preferi sair na briga com Lovecraft, que assusta,
mas de maneira menos visceral e masoquista como o Estevão faz em sua obra.
A Bruna é pior do que aquela menina que sai da TV em O Chamado |
Como todos os livros de contos, “A Tumba” tem
histórias ótimas, mas também tem outras fraquinhas. O importante é que no
cômputo geral, o livro de Lovecraft cumpre o seu papel já que os contos ruins
são poucos. A maioria é verdadeira jóia rara do gênero terror, no qual
Lovecraft se tornou mestre e mestre dos bons. Basta dizer que o autor
influenciou vários escritores da atualidade, se tornando referência para eles,
entre os quais o grande Setphen King.
O livro é dividido em três partes. Na primeira, são
apresentados os oito contos principais, todos eles escritos na fase adulta de
Lovecraft. Na segunda parte, temos as primeiras histórias escritas pelo autor,
ou seja, em sua adolescência, por volta dos 15 anos. Vale lembrar que a maior
parte desse material acabou sendo destruído; o que é uma pena, mesmo assim, “A
Tumba” nos brinda com cinco histórias dessa fase da vida de Lovecraft. São
elas: “A Fera na Caverna”, “O Alquimista”, “Poesia e os Deuses”, “A Rua” e “A
Transição de Juan Romero”.
Apesar de serem histórias do início da carreira do
escritor, elas tem muitas qualidades, deixando evidente o talento prematuro de
Lovecraft. Gostei demais de “A Fera na Caverna” e “O Alquimista”. A primeira, conta
a história de um homem que se perde de seu grupo durante a visita a uma
caverna. Munido apenas de uma tocha que já começa a se apagar, ele se ‘afunda’
cada vez mais nas entranhas da caverna, onde pressente a presença de uma fera
bestial, a qual consegue ferir e depois fugir. Ao encontrar o guia do grupo,
eles resolvem voltar a caverna na esperança de localizar a fera. É nessa hora que
os dois acabam tendo uma surpresa!
Já o conto “O Alquimista” mistura feitiçaria e
demonologia. A coisa é braba. Já com 15 anos, Lovecraft mexia com esses temas
pesados, mas não podemos negar que a história é ‘de primeira’, mesmo o autor
tendo escrito em sua adolescência, quando ainda carecia de uma melhor técnica
literária. “O Alquimista” conta a história de uma família francesa vítima de
uma maldição que já atravessa gerações. Um dos antepassados do conde Antonie matou
injustamente um homem, condenando-o à fogueira por bruxaria. O filho da vítima,
então, lança uma maldição contra várias gerações da família do conde: todos os seus
descendentes morrerão de forma misteriosa ao completarem 32 anos. A profecia se
cumpre até a morte do pai do conde Antonie que, por sua vez, passa então
estudar temas ocultos como feitiçaria e demonologia para tentar encontrar um
meio de escapar da maldição. Mas... o que ele descobre é algo aterrador. Culpa
dos seus estudos ocultos.
Não gostei de “A Rua”, achei bem fraquinho para o
gênero terror, aliás, nem sei se enquadraria nessa categoria. Na história,
Lovecraft dá vida a uma rua, narrando tudo o que “ela” viveu e presenciou.
Interessante, mas nada assustador.
“Poesia e os deuses” é um conto que deixa evidente a
queda do autor por mitologia grega. Ele narra a curiosa saga de uma personagem chamada
Márcia que cansada do mundo em que vive e sem perspectivas de vida, um dia recebe
a visita do deus grego Hermes que a leva para um passeio no Monte Olimpio. Lá,
ela descobre que os deuses não estão mortos, mas apenas dormindo e que eles se
comunicam com as pessoas na terra por intermédio dos poetas e de suas poesias.
Também não gostei da história. Se ela assusta? Nem um pouco.
H.P. Lovecraft |
Encerrando a segunda parte do livro “A Tumba”, temos
“A Transição de Juan Romero”, mais um conto escrito pelo então adolescente
Lovecraft. Durante a corrida do ouro na California, dois homens trabalham numa
mina misteriosa. Certo dia, os mineiros, na esperança de encontrar mais ouro,
resolvem dinamitar determinado ponto da mina, abrindo um poço, aparentemente
sem fundo. O poço dará muito trabalho para aqueles homens, além de “meter” um
medo danado nos leitores. Gozado né?! Adorei esse conto, me assustou mesmo, mas
descobri que o Lovecraft detestava a história, a qual escreveu em apenas um
dia. Tanto é que nunca a enviou para ser publicada em nenhuma revista. Pensou
até mesmo em se desfazer dela, o que só não aconteceu por causa de um amigo que
lhe pediu os manuscritos para datilografá-los, como vinha fazendo com outras
histórias do autor. “A Transição de Juan Romero” só viria a ser publicada anos
depois da morte de Lovecraft.
01
– A Tumba
“A Tumba” é o conto de abertura do livro e não nega
fogo. O personagem Jervas Dudley revela que foi um garoto atípico dos demais em
sua juventude, lendo e fazendo coisas bem diferentes das outras crianças e
jovens de sua idade. Então, numa noite, ele descobre a existência de uma tumba
abandonada no mausoléu de uma família tradicional. Dudley passa a sentir uma
estranha atração por essa tumba a qual começa visitar com freqüência. Lovecraft
conseguiu criar uma história sinistra, densa e com um personagem mórbido ao
extremo. Dudley começa narrando a sua apavorante experiência trancafiado num
asilo para loucos. Isso faz com que o leitor fique em dúvida se a história é
real ou fruto dos devaneios psicóticos do personagem. Não importa; de uma
maneira ou de outra, a experiência vivida por Dudley é terrificante...
02
– O Festival
Mais um conto ultra-sinistro de Lovecraft. Se em “A
Tumba”, Jervas Dudley é mórbido “no úrtimu grau”; em “O Festival”, a morbidez
fica por conta da situação vivida pelo personagem central que visita uma cidade
abandonada. O pobre rapaz se vê participando de um festival macabro de gelar o
sangue. O final do conto faz com que o leitor reflita se toda a situação
infernal vivida pelo personagem não foi resultado de sua imaginação... ou se
ele, de fato, esteve presente naquele festival assustador.
03
– Aprisionados com os faraós
O conto é bem descritivo no início, com o autor optando
por descrever detalhes do Egito, numa verdadeira aula sobre as pirâmides,
geografia, costumes e até mesmo a gastronomia egípcia. Na segunda parte da
história “o bicho pega” entrando em cena o sobrenatural, o macabro, o mórbido e
a loucura; características principais da escrita de Lovecraft.
“Aprisionados com os faraós” tem a presença de um
personagem real: o famoso ilusionista e escapista Houdini. A história é narrada
por um personagem próximo ao mágico e que presenciou o misterioso e perturbante
caso. Segundo o narrador, Houdini propõe um desafio: conseguir escapar da tumba
de um faraó. O conto descreve o esforço de Houdini em concretizar a sua proeza.
Quando menos se espera, ele é obrigado a tentar escapar de criaturas
sobrenaturais terríveis. Depois de “Entre as Paredes de Eryx”, esse conto é
disparado o melhor do livro.
04
– Ele
Conto fraquinho. Não gostei. Um poeta resolve ir até
Nova York para descobrir a magia que a cidade esconde. Chegando lá, ele decide fazer
um pacto com um grupo de feiticeiros de antigas tribos indígenas capaz de fazer
revelações sobre o passado e o futuro. O que o poeta descobre sobre a cidade
acaba sendo muito mais do que ele gostaria.
05
– O horror em Red Hook
“O Horror em Red Hook” é um conto mediano sobre um
velhinho que deixa uma cidade em polvorosa dando um trabalho danado para a
polícia. O ancião mexe com ocultismo e faz coisas do arco da velha levando pânico
para a polícia que acaba designando um detetive famoso para investigar o caso.
06
– A estranha casa que pairava na névoa
A história escrita por Lovecraft foge completamente
da cansada e comum narrativa da casa mal assombrada. Apesar do enredo não ter o
horror presente nos contos anteriores, cumpre bem o seu papel de prender o
leitor da primeira a última página. Uma casa localizada num penhasco e
supostamente habitada aguça a curiosidade das pessoas, já que não há nenhum
caminho lógico para se chegar até ela. Então, como poderia ter alguém morando
nela??! Um filósofo decide desvendar o mistério. Ele consegue chegar até a casa
onde acaba tendo um estranho e inusitado encontro com o morador.
07
– Entre as paredes de Eryx
Meu amigo, pode pará!! Pára tudo mesmo! Um dos
melhores contos que li em toda a minha vida. O drama de um explorador que vai
até o planeta Venus em busca de valiosos cristais e acaba ficando preso numa
fantástica – para não dizer terrível – armadilha alienígena é para disparar o
coração dos leitores mais corajosos. Um conto agoniante. Não vou dar nenhum
outro detalhe, pois como já disse, “Entre as paredes de Eryx merece um post só
dele. E é o que farei brevemente nesse blog. Aguardem.
08
– O clérigo diabólico
Traços representando Lovecraft |
Conto curto, menos de quatro páginas; outro que
também não gostei. Achei sem sal e açúcar. Um homem conta a experiência que
teve ao visitar o sótão de uma casa, onde descobriu um objeto que o fez
conhecer o tal do clérigo diabólico.
Na terceira e última parte do livro “A Tumba e outras
histórias” - denominada ‘Fragmentos’ - foram publicados rascunhos e notas
feitas pelo autor. Ele pretendia transformar esse material em novas histórias,
o que acabou não acontecendo.
Estas anotações foram encontradas entre os papéis de
Lovecraft e são presumivelmente as suas tentativas de tomar nota de alguns de
seus sonhos, numa forma rudimentar, com o intuito de desenvolver histórias mais
longas. Mas como já escrevi, nenhuma delas chegou a ser desenvolvida.
Os leitores terão acesso a quatro fragmentos de
histórias: “Azathoth”, “O Descendente”, “O Livro” e “A Coisa no Luar”. Após ler
essas anotações tentei imaginar como elas ficariam se chegassem a ser
transformadas em histórias.
“A Tumba e
outras histórias” é um bom livro para aqueles que querem conhecer mais de perto
o estilo único de H.P. Lovecraft. Todos os contos são narrados em primeira
pessoa e sempre começa com o narrador criando um clima de suspense, dizendo,
geralmente, que a experiência vivida por ele foi tão amedrontadora que prefere
esquecê-la, mas adivinhem se ele não irá relembrá-la para o deleite de todos
nós...
É isso aí, já passam das 2h30 da madruga e agora já
vou pra cama, mas sem olhar debaixo dela, e muito menos sem ler nenhuma linha
de “A Corrente, passe adiante”. Aiiii, aquela Bruna.... Brrrrrrrrrrrr. Só de pensar
já me dá arrepios; mas tanto ela quanto o livro de Estevão Ribeiro são temas
para um próximo post.
Inté!
4 comentários
Oi, José Antônio.
ResponderExcluirAdorei a sua "não-resenha" de A Corrente. Estar no mesmo post que H.P. Lovecraft é uma honra que pensei que nunca estaria!
Um abraço e aguardo o post :)
Nossa! Que prazer tê-lo por aqui,
ExcluirSem dúvida, o livro é arrepiante...
Brevemente estarei postando.
Valeu pela visita :)
Abcs!
Em tempo: Uma honra que nunca TERIA, não estaria. Que falta faz um revisor... :)
ExcluirSó uma correção: "O Horror em Red Hook" e "A Estranha Casa que Pairava na Névoa" são contos narrados em terceira pessoa e não na primeira.
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