A lenda do cavaleiro sem cabeça

10 junho 2012
Tão diferentes como a água e o vinho e a noite e o luar. É assim que podemos definir o livro “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça” e o filme de Tim Burton baseado nessa obra. Posso dizer, sem medo de errar, que a produção cinematográfica foi, “só”, levemente – e bota levemente nisso! – baseada na obra literária de Washington Irving, escrita entre 1829 e 1830.
As diferenças são gritantes, à começar pelo personagem principal Icabode Crane. Ahã!! Pensaram que o astro da história seria o ‘afamado’ cavaleiro sem cabeça, não é mesmo??! Pois é, na realidade o protagonista, tanto no livro quanto no filme, é o Sr. Crane, apesar de o cavaleiro sem cabeça, vivido por Christopher Walken, ter tido uma presença marcante no filme de Burton. Bem... já no livro de Irving, a presença do misterioso ser é mais discreta, sendo citado apenas nas histórias contadas pelos moradores supersticiosos da cidade Greensburgh que se reúnem a noite para ‘gargantear’ as suas lendas urbanas; mesmo assim o cavaleiro tem uma aparição apoteótica nas últimas páginas do romance quando empreende uma perseguição mortal ao Sr. Crane.
As diferenças existem tanto à nível de personagens quanto à nível de enredo. O Icabode Crane de Washington Irving é um professor matusquela, de braços compridos, alto e magro como uma ‘vara de cutucar bambu’. Ele é narigudo, inclusive seu nariz é descrito pelo autor como semelhante a um catavento. Ah! E mais! Cabeça pequena e chata, orelhas colossais e olhos verdes, enormes e vítreos. Sem contar que os seus pés poderiam lhe servir de pás; em outras palavras: o sujeito era ‘pezudo’. Cá entre nós, vamos ser sinceros, o pobre coitado era feio de dar dó.
Por outro lado, o Icabode Crane do filme era ninguém mais, ninguém menos do que Johnny Depp, um dos maiores galãs de Hollywood, que por incrível que pareça, mesmo quando quer ficar feio, bruto e trapaceiro, o tiro acaba saindo pela culatra, que o diga o seu famoso personagem Jack Sparrow, de Piratas do Caribe. O sujeito tem dentes de ouro horríveis, é desengonçado, tem uns trejeitos efeminados e mesmo assim, ainda tem uma aura sensual, deixando as mulheres completamente enlouquecidas.
Agora, imaginem o Johnny Depp interpretando um personagem sofisticado, charmoso, elegante, inteligente e bonito; se bem, que a exemplo do Jack Sparrow, também seja um pouco esquisito. “Entãoce”(rs), o Icabode Crane reescrito por Tim Burton tem todas essas características, ao contrário do pobre coitado original criado por Washington Irving.
E as diferenças não se restringem apenas à composição dos personagens. A história também tem contextos divergentes. Enquanto o Sr. Crane do Livro é um supersticioso e simplório professor da pequena cidade onde ocorrem os fatos fantasmagóricos; o Crane do cinema é um detetive moderno que não acredita  em fantasmas e que procura resolver tudo da maneira mais racional possível, apesar das estranhas engenhocas que utiliza para esse fim. O Crane do livro era um pobretão, pois o que ganhava mal dava para se alimentar, o que lhe obrigava a se “auto-coinvidar” para almoçar ou jantar nas casas dos pais de seus alunos. O Crane do cinema teve o privilégio de ser considerado um convidado de honra das famílias de Greensburgh com a difícil missão de solucionar a série de estranhos assassinatos ocorridos na cidade e que todos atribuíam ao misterioso cavaleiro sem cabeça.
No livro, Crane faz de tudo para conquistar Katrina Van Tassel, a moça mais cobiçada do vilarejo, enquanto ela não dá a mínima para o professor. Na produção de Burton, é a bela Katrina quem joga charme para o detetive
Quanto ao cavaleiro sem cabeça, o personagem acaba tendo uma participação muito maior no filme do que no livro. Irving preferiu mostrar o personagem de maneira camuflada, ou seja, através das histórias contadas pelos supersticiosos habitantes de Greensburgh. Na realidade, ele só vai aparecer, de fato, nas últimas páginas do romance, na trepidante perseguição, de tirar o fôlego, empreendida sobre Icabode Crane.
Não acreditem que eu preferi o filme ao livro “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”. Não é bem assim; se querem saber, gostei demais da obra de Washington Irving; mais do que o filme de Tim Burton. No romance, o leitor encontra suspense, terror, intrigas e comicidade. E tudo isso, em pouco mais de 70 páginas com ilustrações. Já o filme, mudou completamente os personagens, conseguindo descaracterizá-los. Penso até que se um Icabode Crane semelhante ao livro, dentro do enredo simples, mas eficiente de Irving, fosse dirgido por Tim Burton faria muito mais sucesso... 

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