O Chefão

18 março 2014

Há verdadeiras jóias raras da literatura que deveriam permanecer intocadas, mas infelizmente isso não acontece. Quase sempre lá vem um pedreiro (com todo respeito aos pedreiros) metido à escritor e com a autorização dos familiares do autor falecido, acaba ganhando o direito de escrever a continuação de uma história antológica que foi concluída com a maior de todas as chaves de ouro. Então acontece aquilo que todos nós leitores inveterados detestamos: personagens que tiveram o seu ciclo dentro do enredo encerrados com toda maestria acabam retornando num copião vagabundo e mal feito, completamente perdidos na nova história.
Cara fico puto da vida quando isso acontece. Tão puto que acabo xingando em voz alta o infeliz que teve a idéia ‘burraldina’ de autorizar a seqüência de um enredo sagrado que jamais deveria ter sido mexido. Foi assim que fiquei quando tomei conhecimento de que “O Chefão”, de Mário Puzo, havia ganhado uma seqüência e depois de algum tempo, mais outra. Costumo dizer que mataram a história brilhante de Puzo por duas vezes.
Mas na realidade, não estou aqui para escrever sofre esses dois fiascos literários – os leitores que quiserem saber alguma coisa sobre um desses fiascos veja aqui – mas sim sobre a obra incomparável de Puzzio, a qual já li ‘zilhões’ de vezes.
Em “O Chefão”, publicado em 1969, Puzo escreve sobre uma família de mafiosos de origem siciliana que imigra para os Estados Unidos. A história se passa no período de 1945 a 1954. O autor destrincha (no bom sentido) todos os integrantes dessa família, fazendo com que o leitor conheça em detalhes a personalidade de cada um deles. Don Vito Corleone, Michael, Sonny, Fredo, Connie e o consigliere Tom Hagen. Don Vito é o chefão que emana a sua autoridade de uma maneira tranqüila quase pedindo ‘por favor’, mas por de atrás da sua fachada de humildade encontra-se algo letal, predatório. Dessa forma, o seu pedido extremamente educado e refinado funciona como algo do tipo: “Faça o que estou mandando ou você morre”. Don Vito é o bom e bonachão vovô italiano e ao mesmo tempo o assassino mais cruel da Máfia, capaz de mandar executar a morte de um inimigo sem nenhum peso de consciência, como se fosse um negócio. É essa aura ambígua que envolve o chefão siciliano da Cosa Nostra que acaba atraindo o leitor. Cara! Puzo consegue fazer isso como um verdadeiro mestre; mas um mestre de primeira qualidade. Tanto é verdade que com o ‘virar das páginas’, você acaba torcendo pelo mafioso. Putz! Acredite, é isso mesmo! Já com relação aos seus filhos, Puzo esquece essa ambigüidade e manda ver. Sonny é o primogênito que tem a função natural de assumir o comando dos negócios da ‘Família’, sucedendo Don Vito após a sua aposentadoria ou morte; mas ele é um egocêntrico, cabeça quente e autoritário. A sua arrogância pode colocar a perder todos os negócios da “Família”. Connie e Fredo são os fracos ou seja, as decepções dos Corleone. Connie é submissa ao marido e vive sendo espancada e Fredo é o cachorrinho de estimação de sua estonteante esposa, uma atriz menor de Hollywood. Quanto a Michael, bem... olha a aura de ambigüidade de Puzo retornando!  Ele é o terceiro dos quatro filhos de Vito Corleone. No início é um sujeito pacato, tranquilão e que não quer se envolver com os negócios escusos da “Família”, mas aos poucos começa a mostrar a sua faceta implacável e cruel, provando estar pronto para substituir o pai e assumir o seu posto como Don.
Esqueça o filme fantástico de Francis Ford Coppola, "O Poderoso Chefão", e se delicie aprofundando-se nos personagens de Puzo. Quanto mais o autor os descreve, mais você quer saber sobre eles. O romance é uma aula de narração e prende o leitor ater mesmo nos momentos mais descritivos da história.
Outros detalhes que atraem no livro são as tramas secundárias que acontecem paralelamente ao enredo principal da família Corleone. É impossível não se prender à história do famoso cantor Johnny Fontane, um dos protegidos de Don Vito. Ao contrário do filme, onde o personagem aparece numa pequena ponta, logo no início, durante o casamento de Connie; no livro, o autor ‘escancara’ detalhes importantes sobre ele, se aprofundando ao máximo na sua composição. Há ainda Nino Valenti, que tem tudo para se tornar um talentoso cantor, mas acaba sendo engolido pela bebida e o clima inebriante de Hollywood, quase perdendo tudo o que ganhou.
O livro de Puzo serviu como base para os três filmes da saga “O Poderoso Chefão”, inclusive naquele em que mostra a infância e adolescência de Don Vito.
Não vou escrever mais nada para não acabar me traindo com spoilers. Basta dizer o seguinte: “O Chefão” de Mário Puzo, jamais merecia uma continuação.  A obra é especial demais para isso. O seu ciclo já havia sido encerrado de uma maneira muito especial.
Uma pena que os familiares de Puzo, responsáveis pelo seu espólio, não pensaram assim. Uma grande pena.

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