Vaga-lume; a série que revolucionou gerações de leitores

21 julho 2013


Imagine  um respeitado magistrado - conhecido em todo Estado de São Paulo pelo seu trabalho de combate ao narcotráfico - afirmar que uma das séries de livros mais importantes em toda a sua vida foi a infanto-juvenil “Vaga-lume”. Pense agora, num advogado com mestrado em Harvard e que tem por essa mesma série um sentimento perto do endeusamento.
Pois é pessoal, esses dois personagens são reais e eu tive a  oportunidade de ouvir essa revelação antes de entrevistá-los. Para as duas ‘feras’, a série de livros Vaga-lume teve um papel preponderante em seu sucesso profissional.
Foi após esse encontro que decidi escrever um post sobre a inesquecível série lançada no início da década de 70 pela Editora Ática e que ao longo de seus 40 anos de existência ‘fez a cabeça’ de gerações de leitores.
Cara, você pensa que é fácil para um sujeito com mestrado, doutorado ou MIT estufar o peito e dizer com orgulho patriótico que o livro mais importante de sua vida foi um título infantil ou infanto-juvenil?  Este sujeito tem que ser um baita de um corajoso ou “saco-roxo”, como diz um velho provérbio popular do Kid Tourão. O cara tem que ter mais saco roxo ainda ao afirmar que continua lendo vários livros da sua infância ou pré-adolescência.
"Luminoso": o logotipo da série
Galera, eu tenho certeza que os livros da série Vaga-lume”  tem esse poder. Muitos adultos se orgulham em dizer sem medo, vergonha ou receio, que autores como Lúcia Machado de Almeida, Maria José Dupré e José Rezende Filho continuam sendo importantes em suas vidas de leitor ou então que “O Escaravelho do Diabo” foi um dos melhores enredos policiais já lidos. Acreditem! As obras daquele vagaluminho simpático de boina, cavanhaque, calça boca-de-sino e medalhão presente no logotipo da série tinham esse poder.
Por isso, confesso, estou muito feliz em escrever um post sobre essa série que como já disse encantou gerações de leitores, inclusive esse blogueiro que “vos escreve” agora. Que o diga “Éramos Seis”, um dos livros mais encantadores que já li em toda a minha vida. Afinal de contas, como não se emocionar com Dona Lola, ‘seo’ Júlio, Carlos, Alfredo, Julinho e Maria Isabel?
Por ser um post especial, queria iniciá-lo com uma informação... sei lá... digamos que diferente. Isso mesmo diferente! Que fugisse um pouco daquela rotina de que “tudo teve início no comecinho dos anos 70” ou então da importância dos livros da Vaga-lume para a formação escolar de milhares de alunos. Queria algo que retratasse os primórdios dos primórdios da série ou seja, a chamada pedra filosofal ou angular que deu início à ‘tudo’. Então, fui vasculhando na Net, ouvindo antigos leitores, passando algumas noites em claro que descobri que tudo começou em 1950 e não na virada de 1972 a 1973. A Editora Ática – idealizadora desses vagaluminhos queridos – não se tornou especializada em livros didáticos e paradidáticos da noite para o dia. Explicando melhor: Em 1956, dois irmãos, os professores idealistas: Anderson Fernandes Dias e Vasco Fernandes Dias Filho, juntamente com um amigo Narvaes Filho tiveram a idéia de criar um curso que possibilitasse adultos e jovens a concluírem os seus estudos, os quais tinham sido obrigados a abandonar por inúmeros motivos. Foi fundado, assim, o Curso Madureza Santa Inês, responsável por um tipo de em sino conhecido naquela época por “Supletivo” e que hoje ganhou o status de EJA (Educação de Jovens e Adultos).
O Madureza Santa Inês se tornou tão famoso e conhecido na época que Anderson, Vasco e Narvaes tiveram de criar um departamento de publicações batizado de Sociedade Editora do Santa Inês ou simplesmente Sesil, com o objetivo de imprimir apostilhas fabricadas por professores do cursinho. As apostilhas traziam, geralmente, um conjunto de textos de vários autores que eram vendidas aos alunos e utilizadas como material didático no Madureza Santa Inês.
Após a fundação da Sesil, Anderson, que além do curso de magistério, também havia acabado de conquistar o diploma de medicina, decidiu transformar a Sesil numa ‘editora de verdade’. Sendo assim, saía de cena o mimeógrafo utilizado nas impressões de ‘resumões’ de outros livros para ceder espaço à criatividade, à elaboração de histórias inéditas. Falando escrevendo bem claramente: à criação de livros de verdade! Com isso, nascia assim, no dia 3 de junho de 1965, no bairro da Liberdade, em São Paulo, a Editora Ática.
Os primeiros livros editados pela, então, recém-inaugurada Ática foram os dos próprios professores do Madureza Santa Inês. Os ‘teachers’ de matemática, português, ciências, química e história confeccionavam suas próprias obras, tornando assim, mais acessível o ensino aos alunos do curso de Madureza. Mas devido ao alto nível dos textos publicados, em pouco tempo, essas obras passaram a ser adotadas também por outras escolas. Num curto período, a Ática se tornaria referencia na edição de livros didáticos e paradidáticos.
A implantação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que surgiu nos anos 60 com o objetivo de democratizar o ensino, dando ênfase à leitura nos currículos de 1º e 2º graus, também acabou beneficiando a Ática que na época era uma das poucas editoras de livros didáticos e paradidáticos de qualidade. A chegada da LDB fez com que a demanda  de livros do gênero aumentasse e consequentemente, também, a produção da Ática.
No final de 1972, a editora que já havia se tornado conhecida e respeitada em todo Brasil, decidiu dar mais um salto: criar uma série de livros policiais e de aventuras direcionada aos jovens leitores. Pronto! Nasceria a antológica série “Vaga-lume”. Mas antes do grilinho Luminoso entrar em cena, a editora colocaria também no mercado outra série famosa: a “Bom Livro”, surgida em 1970 inaugurando o setor dos paradidáticos na área de literatura.
Entenderam porque achei essencial contar essa historinha dos primórdios da Editora Ática antes de começar, propriamente, a escrever sobre o assunto principal desse post? Cara... Vê se entende um negócio: se aqueles dois irmãos, juntamente com o seu amigo, não tivessem tido a idéia de abrir um curso supletivo na década de 50, hoje não teríamos o privilégio de contar com uma das séries de livros mais importantes do país e que contribuiu para estimular a leitura de milhares de brasileiros.
Seria o mesmo se o diretor Stanley Kubrick do filme “2001 – Uma Odisséia no Espaço” cortasse aquela cena inicial do filme, considerada antológica, em que um bando de macacos descobre que pode usar ossos como armas para afastar grupos rivais. Então no momento em que o chefe do bando joga um osso para cima, ele se transforma numa nave em pleno espaço sideral.

Vai, seja sincero. Você consegue imaginar a produção cinematográfica de Kubrick sem essa cena? Entonce; o mesmo acontece com a série Vaga-lume e os primórdios da Ática. ‘Eles’ são carne e unha.
A série “Vaga-lume” foi criada em 1973 para responder às necessidades dos paradidáticos  para os estudantes do 1º grau. Diferente da coleção “Bom Livro”, tinha um texto direto e simples e os seus autores não eram verdadeiras lendas vivas da literatura brasileira; ao contrário, muitos deles não passavam de simples desconhecidos no contexto literário nacional, enquanto outros, nem sequer eram escritores. Já a “Bom Livro”, ao contrário da “Vaga-lume”, tinha em seu bojo autores consagrados da literatura brasileira e portuguesa, como Luís de Camões, Éça de Queirós, Castro Alves, Machado de Assis, Olavo Bilac e outros. Foi uma série direcionada para os alunos do segundo grau. Caraca!! Imagina só, o nível do segundo grau daquela época!!
Mas, no comecinho de 1973, o dono da Ática, Anderson Fernandes Dias, propôs  à um dos editores da empresa que pensasse na possibilidade de se criar uma coleção também para jovens, mas que fosse totalmente o oposto da “Bom Livro”. Ao invés de autores consagrados; novos e de preferência desconhecidos. No lugar de textos complexos, de difícil compreensão e muitas vezes enfadonhos; enredos simples, de fácil entendimento e com muita carga dramática, suspense e ação. Pronto! Esta foi a receita do sucesso da “Vaga-lume”.
Para que os leitores desse post tenham uma noção do quanto os autores da série eram desconhecidos, basta citar o caso de Marçal Aquino que no final dos anos 80 era repórter do "Jornal da Tarde" e "não tinha a menor idéia do que era  escrever um livro e muito menos do que era  literatura juvenil. Aquino diz que topou o desafio  e resolveu contar uma história de turma de rua numa cidade do interior. Nascia assim, um dos títulos de maior sucesso da série “Vaga-lume: “A Turma da Rua Quinze” (1989). Ele viria escrever ainda mais três volumes e após “pegar o jeito da coisa”, abandonaria a literatura juvenil para se dedicar – com sucesso – à escrita adulta.
É bom frisar que a Ática abriria depois, espaço para os escritores da velha guarda, mas desde que se enquadrassem no perfil exigido.
 Sei que muitos que acompanham esse post, agora, estão curiosos para saber qual foi o livro que inaugurou a série. Então lá vai, anote aí: O marco inicial foi a obra de Maria José Dupré, “A Ilha Perdida”, publicada em 1973. Na realidade, o lançamento da Ática, era uma terceira edição da obra, publicada originalmente em 1944.
Outras obras que fizeram parte dos primeiros títulos da “Vaga-lume” também eram consagradas do grande público, como “Éramos Seis” (1943) da mesma Maria José Dupré  e “O Feijão e o Sonho” (1949) de Orígenes Lessa. Após as reedições desses livros da fase inicial da Vaga-lume, viriam, então, as obras inéditas escritas pelos novos autores ou aqueles escritores ‘reciclados’ da velha guarda.
Autora de O Escaravelho do Diabo que morreu aos 94 anos
Muitos leitores da série - jovens de ontem e adultos hoje – tem como tema principal em suas rodas de discussão a polêmica sobre qual foi o maior sucesso entre todos os livros lançados pela Vaga-lume. E olha que a lista de candidatos é enorme; mas se formos fazer  uma pesquisa entre os fãs da série, com certeza “O Escaravelho do Diabo”, de Lúcia Machado de Almeida ganharia a enquete.
‘A exemplo de “A Ilha Perdida” e “Éramos Seis”, a obra de Lúcia Machado de Almeida também foi uma das primeiras a ser publicada. A história de suspense e que se tornou um ícone dos romances policiais surgiu pela primeira vez na revista “O Cruzeiro” e teve a sua segunda edição em 1974, já na série.
Outro escritor consagrado que fez parte do selo do Luminoso foi Marcos Rey que escrevia romances adultos. Certo dia, ele foi convidado por Anderson Fernandes Dias (se lembram dele?) e também pelo editor  Jiro Takahashi a escrever algumas obras para a “Vaga-lume”. Graças à esse convite, surgiriam três grandes sucessos literários infanto-juvenis: “O Mistério do Cinco Estrelas” (1981), “O Rapto do Garoto de Ouro” (1982) e “Um Cadáver Ouve Rádio (1973).
A boa notícia é que no ano passado, os direitos destas três obras para o cinema foram compradas pela produtora RT Features e começam a ser filmadas no final de 2013. Sabe o que isso significa? Que no primeiro semestre de 2014 teremos a estréia de três filmes baseados em obras literárias da famosa série da Ática . Agora me respondam: será que essa novidade não vale um gostoso Iahuuuuuu!!
Vale lembrar que esses três títulos de Marcos Rey  que serão adaptados para as telonas não integram mais a “Vagalume”, e agora, estão na editora Global. Tudo bem... tudo bem, mas o que importa é que eles nasceram no berço do Luminoso.
Para que vocês entendam a importância dessa série, basta lembrar que nem mesmo quando a Editora Ática foi adquirida pelo Grupo Abril, em 1999, os livros do grilinho hiper-conhecido deixaram de ser editados. Aliás, como suspender uma série que havia se tornado um ícone da educação inafanto-juvenil no Brasil? Elogiada por todos, sejam docentes ou alunos? Não havia como!
E a boa notícia para aqueles que conseguiram ler esse post até o final é dada Fabrício Waltrick, gerente editorial de literatura juvenil da Ática. Ele diz que a editora pretende comemorar os 40 anos da “Vaga-lume”, no final desse ano, trazendo novas linhas visuais para a série, além do lançamento em formato digital. É mole ou quer mais?!! Portanto, a “Vaga-lume” continua mais viva do que nunca!
Cara, só mesmo parando por aqui.

8 comentários

  1. O título correto é "O Mistério do Cinco Estrelas" e não "O Menino do Cinco Estrelas".

    Excelente post, não conhecia essa história da editora. E também nunca havia reparado que o vaga-lume tinha calvanhaque...

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    1. Obrigado Helder, tem razão com relação ao título da obra. O correto, de fato, é "O Mistério do Cinco Estrelas". Já reportei o erro.
      Valeu!

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  2. Oi J.A.
    Ownnnnnnn eu amoo <3 essa série!
    Tenho alguns livrinhos meus tesouros literários da época que eu era pititiquinha. A Ilha perdida, O escaravelho do diabo, O mistério da cidade fantasma, O mistério do cinco estrelas, Éramos seis, Os barcos de papel, As aventuras de Xisto e o meu queridinhooo (adivinha?????) Na ilha do "dragão" de 2003 é mta fofurice =D
    abraçoo

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  3. Também tive minha cota disso aí. Na sexta-série li Spharion,

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  4. Adoro essa série! Muito legal essa postagem!

    A propósito, estou produzindo uma adaptação animada de um dos livros da série, "o caso da borboleta atíria": http://ocasoatiria.blogspot.com.br/
    Se der tudo certo ano que vem já estará no Youtube... tomara que venha fazer sucesso :D

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    1. Obrigado Rodrigo;
      E sucesso em sua produção animada! Me avise quando colocá-la no Youtube.
      Abcs!

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  5. Amei o artigo e viajar nessas lembranças .li vários desses livrid.

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