Neste momento em que todos os veículos de comunicação
– com poucas exceções – estão com os seus holofotes direcionados para a morte
do papa Francisco – eu, também, não poderia deixar de prestar a minha homenagem
a esse grande homem.
Acredito que para ser um líder religioso respeitado –
independentemente do credo desse líder – antes de tudo, mas antes de
‘absolutamente’ tudo, é preciso respeitar e ouvir todas as outras religiões por
mais diferentes ou conflituosas que elas sejam se comparadas com a desse líder.
Francisco fez isso. Também é preciso que esse líder quebre alguns paradigmas
obsoletos que impedem o crescimento dessa religião. O papa também fez isso. E
por fim, é preciso ter coragem para encarar situações conflituosas e difíceis
em prol dos excluídos. O grande Francisco sempre pensou nos excluídos e também
nos mais vulneráveis.
Foi ele que aprovou uma nova adição às doutrinas da
igreja católica para permitir que sacerdotes e cardeais abençoem casais
homoafetivos; antes, pensar num gesto desses seria uma heresia para a igreja.
Pois é, o papa foi lá e com coragem rompeu esse paradigma que representava
exclusão em letras garrafais. É importante frisar que no entanto, a nova
resolução do papa destaca que a doutrina exclui ‘qualquer ritualização que
imite o matrimônio’; mas tudo bem, mesmo assim, foi um grande avanço.
Francisco foi o primeiro a posicionar mulheres em
funções de liderança na Cúria Romana. Em 2021, o pontífice nomeou pela primeira
vez uma secretária mulher, a religiosa italiana Alessandra Smerilli, que passou
a atuar no Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral. Aquele
era o cargo mais alto já ocupado por uma mulher na época. Cara, esse papa que
nos deixou e foi morar com Deus, teve a coragem de criticar o machismo e
elogiar mulheres na gestão do Vaticano. Quando um outro papa fez isso?
Quer mais? Que tal essa: foi o primeiro a assinar uma
Declaração acerca da fraternidade universal com uma liderança islâmica. O
documento é considerado um marco na relação entre cristianismo e islamismo. O
compromisso firmado entre o Papa Francisco e o Grande Imame de Al-Azhar, Ahmad
Al-Tayyib, indica uma valorização da cultura do diálogo, da colaboração comum e
do conhecimento mútuo. O documento é um apelo para pôr fim às guerras e condena
os flagelos do terrorismo e da violência, especialmente os que têm motivos
religiosos.
Estas são apenas algumas das atitudes ousadas, mas
acima de tudo humanas de Francisco; o papa dos mais vulneráveis e excluídos. Eu
pergunto: como não gostar de um líder religioso com todas essas virtudes? Galera,
isso é impossível.
Eu sempre dizia que o papa Francisco tinha o dom de
cativar todos os credos. Até mesmo as pessoas que seguem outras religiões
tinham um respeito enorme por ele. Tive essa prova, certo dia na empresa onde
trabalho. Logo no saguão de entrada temos uma foto do papa; certo dia um
cliente apareceu por lá e ao ver o retrato do santo padre se virou para a nossa
secretária e tascou: “Olha moça, eu não sou católico, sigo uma outra igreja,
mas como eu gosto desse sujeito!”. É galera... esse papa era muito especial.
E por ser tão especial, tive a ideia de homenageá-lo,
aqui, no Livros e Opinião, mas como? Poderia publicar uma lista com alguns
livros sobre a sua vida e, acredite, foram publicados muitos deles; mas eu
queria sair um pouco da rotina, por isso, resolvi fazer um post com os livros
de cabeceira do papa, as obras que ele leu e gostou. Na esteira dessa ideia
decidi publicar alguns filmes favoritos de Francisco. Tudo bem que a vertente
principal do blog são os livros, mas... poxa vida, ele foi um papa tão especial
e que rompeu tantos paradigmas que resolvi, também, romper um paradigma, aqui,
do blog. São seis livros e seis filmes que o papa admirava. Vamos a eles.
Livros
01
– Para o lado de Swann: À procura do tempo perdido, vol. 1 (Marcel Proust)
Publicado em 1913, o livro é o primeiro dos sete que
compõem o romance À procura do Tempo
Perdido, um clássico da literatura, e fala sobre temas como tempo, arte,
amor e existência. A obra contempla o famoso episódio das madalenas: o narrador
é tomado por uma alegria imensa ao provar um bolinho, o que simboliza o poder
de memórias involuntárias antes esquecidas.
Utilizando, portanto, de múltiplos personagens e nos
contando suas histórias, Proust compõe a sua; desde o detestável casal
Verdurin, às cômicas avós do escritor, a mãe tão amada e o pai circunspecto.
02
– A Divina Comédia (Dante Alighieri)
O papa Francisco revelou que via em A Divina Comédia uma profunda jornada
espiritual, refletindo sobre o pecado, a redenção e a busca pela união com
Deus. Em 2015, no centenário da morte de Dante Alighieri, o pontífice publicou
uma carta em nome da Igreja Católica em homenagem ao célebre autor.
Dante é autor, narrador e personagem principal do seu
livro, dividido em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Assim, Dante,
guiado pela alma do poeta Virgílio, atravessa o Inferno e o Purgatório até
chegar ao Paraíso, onde encontra a alma de sua querida Beatriz, que busca a
salvação para o seu amado.
03
– Os Noivos (Alessandro Manzoni)
Os
Noivos pode ser considerado uma leitura recorrente para o
papa desde a sua infância. Ele contou em um de seus discursos que foi
influenciado por sua avó a decorar o início do livro.
No enredo de Alessandro Manzoni, um casal humilde
tenta se casar, mas é impedido por forças corruptas e violentas. A história,
ambientada na Lombardia do século 17, combina romance, crítica social e fé
cristã. A peste, a fome e a guerra são retratadas com realismo pungente. No
centro da narrativa está a busca por justiça em um mundo dominado pelo abuso de
poder. Mas há também compaixão e esperança.
O estilo combina erudição e acessibilidade. A
travessia dos protagonistas torna-se símbolo da resistência humana diante da
opressão. Muitos críticos literários consideram Os Noivos, um clássico que moldou a literatura italiana moderna.
04
- Os Irmãos Karamázov (Fiódor Dostoiévski)
Um parricídio serve de pretexto para um mergulho
profundo nas contradições humanas. Três irmãos encarnam facetas opostas da
alma: fé, razão e instinto.
O pai, figura grotesca, é mais do que um homem — é
símbolo de uma Rússia em crise espiritual. O julgamento é apenas o palco
visível; o conflito real se dá entre Deus e o niilismo.
Cheia de peripécias, a narrativa põe em foco esses três
protagonistas irmãos, representantes dos mais diversos aspectos da realidade
russa – o libertino Dmítri, o niilista Ivan e o sublime Aliocha –, a fim de
alumiar as profundezas insondáveis do coração entregue ao pecado, corrompido
por dúvidas ou transbordante de amor.
A obra escrita em 1879 continua sendo aclamada pela
crítica.
05
- Borges Oral & Sete Noites (Jorge Luís Borges)
O livro de Jorge Luís Borges reúne palestras de Borges
sobre temas como literatura, poesia, sonhos, labirintos e o infinito. O poeta
argentino, morto em 1986, compartilha nessa obra reflexões sobre o ato de ler,
escrever e os grandes temas da cultura.
Borges
Oral & Sete Noites é um livro excelente para se
conhecer o escritor e as ideias que o perseguiram durante toda sua vida. Essas
ideias são, em suma, os cinco temas sobre os quais ele palestrou na
Universidade de Belgrano (Buenos Aires).
O autor foi uma das grandes inspirações de Jorge Mario
Bergoglio, o papa Francisco, que antes de sua trajetória no Vaticano atuou como
professor de língua e literatura. Em seu trabalho no Colegio del Salvador, em
1966, Bergoglio convidou Borges para ministrar uma palestra para seus alunos.
06
– Um Experimento em Crítica Literária (C.S. Lewis)
Na década de 1960, Lewis propôs uma nova forma de
crítica literária, focada na experiência do leitor, e não apenas na intenção do
autor. Nesta década, quase tudo estava sendo questionado, e não foi diferente
com a chamada “crítica literária”.
Como acadêmico ilustre e leitor ávido, C.S. Lewis não
se furtou à discussão e, contrapondo-se à ortodoxia de seus pares, propôs uma
maneira diferente de analisar livros: a partir da experiência de quem lê, e não
de quem escreveu. O resultado dessa “crítica à crítica” está nas páginas de Um
experimento em crítica literária.
Francisco ecoava essa visão, afirmando que o ato de
“ler com os olhos do outro” amplia a humanidade e a empatia.
Filmes
01
– A Festa de Babette (1987)
“A Festa de Babete” é um filme dinamarquês frequentemente
citado como o favorito do Papa Francisco. Ele o mencionou em entrevistas e em
sua exortação apostólica “Amoris Laetitia”.
Dirigido por Gabriel Axel, o filme conta a história de
uma mulher francesa chamada Babette (Stéphane Audran) que chega a um vilarejo
dinamarquês em 1871, refugiando-se da repressão à Comuna de Paris. Ela se
oferece para trabalhar de graça, cozinhando e arrumando a casa das irmãs Fillippa
(Bodil Kjer) e Martine (Birgitte Ferdespiel). As duas ssenhoras são filhas de
um severo pastor protestante, morto há algumas décadas.
A história retrata uma comunidade protestante austera
que experimenta uma transformação espiritual por meio de um banquete preparado
por Babette.
O Papa destacou como o filme ilustra a importância da
alegria, da generosidade e da graça na vida cristã.
02
– A Estrada (1954)
A obra cinematográfica realizada por Federico Fellini
conta a história de Gelsomina, uma jovem inocente e sonhadora (interpretada por
Giulietta Masina), vendida pela mãe a Zampano (interpretado por Anthony Quinn)
que a ama mas ao mesmo tempo a maltrata. O drama clássico explora a relação
tumultuada dos dois. Fellini explora em seu filme temas de amor, sofrimento e
redenção.
Em diversas ocasiões, o Papa Francisco expressou sua
admiração por este clássico do neorrealismo italiano. Ele se identificava com a
personagem Gelsomina e via no filme uma referência a São Francisco de Assis.
03
– Roma – Cidade Aberta (1945)
Dirigido por Roberto Rossellini, o filme acompanha a
resistência italiana durante a ocupação nazista em Roma. Comunistas e católicos
se unem para enfrentar a brutalidade alemã, tendo como símbolo dessa luta um
padre que ajuda os guerrilheiros. Considerado um marco do neorrealismo, foi
indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
“Para nós, crianças na Argentina, esses filmes foram
muito importantes, porque nos fizeram entender em profundidade a grande
tragédia da Guerra Mundial”, disse o papa numa entrevista. O pontífice também
revelou: “Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos
levavam frequentemente ao cinema. Em todo caso, gosto muito dos artistas
trágicos, especialmente os mais clássicos”. A produção pode ser assistida no
YouTube.
04
– O Leopardo (1963)
“O Leopardo” dirigido por Luchino Visconti é baseado
no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O filme retrata a transição social
e política na Sicília do século 19. O enredo narra a saga do príncipe Don
Fabrizio Salina (Burt Lancaster) que testemunha a decadência da nobreza e a
ascensão da burguesia. Num cenário caótico de fortes contradições políticas,
ele luta para manter seus valores.
O Papa apreciava a forma como a obra abordava a decadência
da aristocracia e as mudanças inevitáveis da história, temas que ressoavam com
sua visão sobre a necessidade de adaptação e reforma na Igreja.
A produção conta com grandes nomes do cinema na década
de 60, entre eles: Burt Lancaster, Alain Delon e Cláudia Cardinale.
05
– Rapsódia em Agôsto (1991)
Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, há 68 anos, eram
lançadas as bombas atômicas Little Boy e Fat Man sobre as
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente.
Assinado por Akira Kurosawa, o filme aborda as
memórias de uma idosa que viveu os horrores da bomba atômica lançada em
Nagasaki. Ela compartilha suas lembranças com seus netos e um sobrinho
nipo-americano. A produção está disponível no Mubi.
Em 2018 o Papa Francisco conversou com estudantes
japonesas sobre o filme. Na ocasião, ele ressaltou: “A mensagem é a importância
do diálogo entre jovens e idosos, mostrando como os netos acabam por encontrar
suas raízes. Peço que busquem suas raízes conversando com os mais velhos”,
destacou o pontífice.
06
– A Culpa dos Pais (1944)
O filme mostra as preocupações de uma jovem mãe (Isa
Pola), que não consegue suportar as pressões geradas pela responsabilidade
familiar. Ela abandona o marido (Emílio Cigoli) e os filhos, arruinando a vida
do filho mais velho, Prico (Luciano de Ambrosis), permanentemente.
Na opinião dos críticos de cinema, o diretor Vitorio
De Sica, consegue evitar em sua obra, interpretações e exageros dramáticos e de
uma maneira sutil, conta fatos chocantes, de forma sensível e impressionante.
A produção foi realizada em 1942, porém o filme só foi
lançado em 1944, na Itália, após o término da guerra.
O papa Francisco destacou o neorrealismo da produção.
“O cinema neorrealista é um olhar que provoca a consciência. É um filme que
gosto de citar com frequência porque é tão bonito e rico em significado”,
indicou em 2021, segundo a CNN Portugal.
Taí galera, espero que tenham apreciado. Ah! Que coisa
né (rs)... enquanto escrevia essa postagem, alguém assoprou em meu ouvido
direito – adivinhem quem assopou (rs) – porque eu também não publico um post
sobre livros que abordem assuntos envolvendo papas e conclaves: sejam esses
livros de ficção ou não. Acho que vou ter que fazer isso.
Valeu tchurma!
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