Os seis livros e os seis filmes favoritos do papa Francisco

27 abril 2025

Neste momento em que todos os veículos de comunicação – com poucas exceções – estão com os seus holofotes direcionados para a morte do papa Francisco – eu, também, não poderia deixar de prestar a minha homenagem a esse grande homem. 

Acredito que para ser um líder religioso respeitado – independentemente do credo desse líder – antes de tudo, mas antes de ‘absolutamente’ tudo, é preciso respeitar e ouvir todas as outras religiões por mais diferentes ou conflituosas que elas sejam se comparadas com a desse líder. Francisco fez isso. Também é preciso que esse líder quebre alguns paradigmas obsoletos que impedem o crescimento dessa religião. O papa também fez isso. E por fim, é preciso ter coragem para encarar situações conflituosas e difíceis em prol dos excluídos. O grande Francisco sempre pensou nos excluídos e também nos mais vulneráveis.

Foi ele que aprovou uma nova adição às doutrinas da igreja católica para permitir que sacerdotes e cardeais abençoem casais homoafetivos; antes, pensar num gesto desses seria uma heresia para a igreja. Pois é, o papa foi lá e com coragem rompeu esse paradigma que representava exclusão em letras garrafais. É importante frisar que no entanto, a nova resolução do papa destaca que a doutrina exclui ‘qualquer ritualização que imite o matrimônio’; mas tudo bem, mesmo assim, foi um grande avanço.

Francisco foi o primeiro a posicionar mulheres em funções de liderança na Cúria Romana. Em 2021, o pontífice nomeou pela primeira vez uma secretária mulher, a religiosa italiana Alessandra Smerilli, que passou a atuar no Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral. Aquele era o cargo mais alto já ocupado por uma mulher na época. Cara, esse papa que nos deixou e foi morar com Deus, teve a coragem de criticar o machismo e elogiar mulheres na gestão do Vaticano. Quando um outro papa fez isso?

Quer mais? Que tal essa: foi o primeiro a assinar uma Declaração acerca da fraternidade universal com uma liderança islâmica. O documento é considerado um marco na relação entre cristianismo e islamismo. O compromisso firmado entre o Papa Francisco e o Grande Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib, indica uma valorização da cultura do diálogo, da colaboração comum e do conhecimento mútuo. O documento é um apelo para pôr fim às guerras e condena os flagelos do terrorismo e da violência, especialmente os que têm motivos religiosos.

Estas são apenas algumas das atitudes ousadas, mas acima de tudo humanas de Francisco; o papa dos mais vulneráveis e excluídos. Eu pergunto: como não gostar de um líder religioso com todas essas virtudes? Galera, isso é impossível.

Eu sempre dizia que o papa Francisco tinha o dom de cativar todos os credos. Até mesmo as pessoas que seguem outras religiões tinham um respeito enorme por ele. Tive essa prova, certo dia na empresa onde trabalho. Logo no saguão de entrada temos uma foto do papa; certo dia um cliente apareceu por lá e ao ver o retrato do santo padre se virou para a nossa secretária e tascou: “Olha moça, eu não sou católico, sigo uma outra igreja, mas como eu gosto desse sujeito!”. É galera... esse papa era muito especial.

E por ser tão especial, tive a ideia de homenageá-lo, aqui, no Livros e Opinião, mas como? Poderia publicar uma lista com alguns livros sobre a sua vida e, acredite, foram publicados muitos deles; mas eu queria sair um pouco da rotina, por isso, resolvi fazer um post com os livros de cabeceira do papa, as obras que ele leu e gostou. Na esteira dessa ideia decidi publicar alguns filmes favoritos de Francisco. Tudo bem que a vertente principal do blog são os livros, mas... poxa vida, ele foi um papa tão especial e que rompeu tantos paradigmas que resolvi, também, romper um paradigma, aqui, do blog. São seis livros e seis filmes que o papa admirava. Vamos a eles.

Livros

01 – Para o lado de Swann: À procura do tempo perdido, vol. 1 (Marcel Proust)

Publicado em 1913, o livro é o primeiro dos sete que compõem o romance À procura do Tempo Perdido, um clássico da literatura, e fala sobre temas como tempo, arte, amor e existência. A obra contempla o famoso episódio das madalenas: o narrador é tomado por uma alegria imensa ao provar um bolinho, o que simboliza o poder de memórias involuntárias antes esquecidas.

Utilizando, portanto, de múltiplos personagens e nos contando suas histórias, Proust compõe a sua; desde o detestável casal Verdurin, às cômicas avós do escritor, a mãe tão amada e o pai circunspecto.

02 – A Divina Comédia (Dante Alighieri)

O papa Francisco revelou que via em A Divina Comédia uma profunda jornada espiritual, refletindo sobre o pecado, a redenção e a busca pela união com Deus. Em 2015, no centenário da morte de Dante Alighieri, o pontífice publicou uma carta em nome da Igreja Católica em homenagem ao célebre autor.

Dante é autor, narrador e personagem principal do seu livro, dividido em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Assim, Dante, guiado pela alma do poeta Virgílio, atravessa o Inferno e o Purgatório até chegar ao Paraíso, onde encontra a alma de sua querida Beatriz, que busca a salvação para o seu amado.

03 – Os Noivos (Alessandro Manzoni)

Os Noivos pode ser considerado uma leitura recorrente para o papa desde a sua infância. Ele contou em um de seus discursos que foi influenciado por sua avó a decorar o início do livro. 

No enredo de Alessandro Manzoni, um casal humilde tenta se casar, mas é impedido por forças corruptas e violentas. A história, ambientada na Lombardia do século 17, combina romance, crítica social e fé cristã. A peste, a fome e a guerra são retratadas com realismo pungente. No centro da narrativa está a busca por justiça em um mundo dominado pelo abuso de poder. Mas há também compaixão e esperança.

O estilo combina erudição e acessibilidade. A travessia dos protagonistas torna-se símbolo da resistência humana diante da opressão. Muitos críticos literários consideram Os Noivos, um clássico que moldou a literatura italiana moderna.

04 - Os Irmãos Karamázov (Fiódor Dostoiévski)

Um parricídio serve de pretexto para um mergulho profundo nas contradições humanas. Três irmãos encarnam facetas opostas da alma: fé, razão e instinto. 

O pai, figura grotesca, é mais do que um homem — é símbolo de uma Rússia em crise espiritual. O julgamento é apenas o palco visível; o conflito real se dá entre Deus e o niilismo.

Cheia de peripécias, a narrativa põe em foco esses três protagonistas irmãos, representantes dos mais diversos aspectos da realidade russa – o libertino Dmítri, o niilista Ivan e o sublime Aliocha –, a fim de alumiar as profundezas insondáveis do coração entregue ao pecado, corrompido por dúvidas ou transbordante de amor.

A obra escrita em 1879 continua sendo aclamada pela crítica.

05 - Borges Oral & Sete Noites (Jorge Luís Borges)

O livro de Jorge Luís Borges reúne palestras de Borges sobre temas como literatura, poesia, sonhos, labirintos e o infinito. O poeta argentino, morto em 1986, compartilha nessa obra reflexões sobre o ato de ler, escrever e os grandes temas da cultura.  

Borges Oral & Sete Noites é um livro excelente para se conhecer o escritor e as ideias que o perseguiram durante toda sua vida. Essas ideias são, em suma, os cinco temas sobre os quais ele palestrou na Universidade de Belgrano (Buenos Aires).

O autor foi uma das grandes inspirações de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, que antes de sua trajetória no Vaticano atuou como professor de língua e literatura. Em seu trabalho no Colegio del Salvador, em 1966, Bergoglio convidou Borges para ministrar uma palestra para seus alunos.

06 – Um Experimento em Crítica Literária (C.S. Lewis)

Na década de 1960, Lewis propôs uma nova forma de crítica literária, focada na experiência do leitor, e não apenas na intenção do autor. Nesta década, quase tudo estava sendo questionado, e não foi diferente com a chamada “crítica literária”. 

Como acadêmico ilustre e leitor ávido, C.S. Lewis não se furtou à discussão e, contrapondo-se à ortodoxia de seus pares, propôs uma maneira diferente de analisar livros: a partir da experiência de quem lê, e não de quem escreveu. O resultado dessa “crítica à crítica” está nas páginas de Um experimento em crítica literária.

Francisco ecoava essa visão, afirmando que o ato de “ler com os olhos do outro” amplia a humanidade e a empatia.

Filmes

01 – A Festa de Babette (1987)

“A Festa de Babete” é um filme dinamarquês frequentemente citado como o favorito do Papa Francisco. Ele o mencionou em entrevistas e em sua exortação apostólica “Amoris Laetitia”. 

Dirigido por Gabriel Axel, o filme conta a história de uma mulher francesa chamada Babette (Stéphane Audran) que chega a um vilarejo dinamarquês em 1871, refugiando-se da repressão à Comuna de Paris. Ela se oferece para trabalhar de graça, cozinhando e arrumando a casa das irmãs Fillippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte Ferdespiel). As duas ssenhoras são filhas de um severo pastor protestante, morto há algumas décadas.

A história retrata uma comunidade protestante austera que experimenta uma transformação espiritual por meio de um banquete preparado por Babette.

O Papa destacou como o filme ilustra a importância da alegria, da generosidade e da graça na vida cristã.

02 – A Estrada (1954)

A obra cinematográfica realizada por Federico Fellini conta a história de Gelsomina, uma jovem inocente e sonhadora (interpretada por Giulietta Masina), vendida pela mãe a Zampano (interpretado por Anthony Quinn) que a ama mas ao mesmo tempo a maltrata. O drama clássico explora a relação tumultuada dos dois. Fellini explora em seu filme temas de amor, sofrimento e redenção.

Em diversas ocasiões, o Papa Francisco expressou sua admiração por este clássico do neorrealismo italiano. Ele se identificava com a personagem Gelsomina e via no filme uma referência a São Francisco de Assis.

03 – Roma – Cidade Aberta (1945)

Dirigido por Roberto Rossellini, o filme acompanha a resistência italiana durante a ocupação nazista em Roma. Comunistas e católicos se unem para enfrentar a brutalidade alemã, tendo como símbolo dessa luta um padre que ajuda os guerrilheiros. Considerado um marco do neorrealismo, foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

“Para nós, crianças na Argentina, esses filmes foram muito importantes, porque nos fizeram entender em profundidade a grande tragédia da Guerra Mundial”, disse o papa numa entrevista. O pontífice também revelou: “Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema. Em todo caso, gosto muito dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos”. A produção pode ser assistida no YouTube.

04 – O Leopardo (1963)

“O Leopardo” dirigido por Luchino Visconti é baseado no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O filme retrata a transição social e política na Sicília do século 19. O enredo narra a saga do príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) que testemunha a decadência da nobreza e a ascensão da burguesia. Num cenário caótico de fortes contradições políticas, ele luta para manter seus valores.

O Papa apreciava a forma como a obra abordava a decadência da aristocracia e as mudanças inevitáveis da história, temas que ressoavam com sua visão sobre a necessidade de adaptação e reforma na Igreja.​

A produção conta com grandes nomes do cinema na década de 60, entre eles: Burt Lancaster, Alain Delon e Cláudia Cardinale.

05 – Rapsódia em Agôsto (1991)

Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, há 68 anos, eram lançadas as bombas atômicas Little Boy e Fat Man sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente. 

Assinado por Akira Kurosawa, o filme aborda as memórias de uma idosa que viveu os horrores da bomba atômica lançada em Nagasaki. Ela compartilha suas lembranças com seus netos e um sobrinho nipo-americano. A produção está disponível no Mubi.

Em 2018 o Papa Francisco conversou com estudantes japonesas sobre o filme. Na ocasião, ele ressaltou: “A mensagem é a importância do diálogo entre jovens e idosos, mostrando como os netos acabam por encontrar suas raízes. Peço que busquem suas raízes conversando com os mais velhos”, destacou o pontífice.

06 – A Culpa dos Pais (1944)

O filme mostra as preocupações de uma jovem mãe (Isa Pola), que não consegue suportar as pressões geradas pela responsabilidade familiar. Ela abandona o marido (Emílio Cigoli) e os filhos, arruinando a vida do filho mais velho, Prico (Luciano de Ambrosis), permanentemente. 

Na opinião dos críticos de cinema, o diretor Vitorio De Sica, consegue evitar em sua obra, interpretações e exageros dramáticos e de uma maneira sutil, conta fatos chocantes, de forma sensível e impressionante.

A produção foi realizada em 1942, porém o filme só foi lançado em 1944, na Itália, após o término da guerra.

O papa Francisco destacou o neorrealismo da produção. “O cinema neorrealista é um olhar que provoca a consciência. É um filme que gosto de citar com frequência porque é tão bonito e rico em significado”, indicou em 2021, segundo a CNN Portugal.

Taí galera, espero que tenham apreciado. Ah! Que coisa né (rs)... enquanto escrevia essa postagem, alguém assoprou em meu ouvido direito – adivinhem quem assopou (rs) – porque eu também não publico um post sobre livros que abordem assuntos envolvendo papas e conclaves: sejam esses livros de ficção ou não. Acho que vou ter que fazer isso.

Valeu tchurma!

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