As Sandálias do Pescador

25 março 2018

Um livro profético. É dessa maneira que defino “As Sandálias do Pescador” do jornalista e escritor australiano Morris West. Na história, um bispo russo se torna cardeal e em seguida papa – o primeiro papa não italiano em mais de 400 anos.
Uma década e meia após West ter escrito a sua principal obra, eis que o Vaticano também ganharia, após 400 anos, o seu primeiro papa não italiano, ou será que vocês já seesqueceram do polonês Karol Wojtyla, o nosso saudoso e icônico João Paulo II?
Não há como negar as semelhanças entre o fictício Lakota e o real Wojtyla, A personagem do livro é um cardeal ucraniano que, após lutar contra os nazistas, torna-se perseguido e encarcerado pelos soviéticos. Após 20 anos, recebe a liberdade graças a um acordo do premiê russo com o Vaticano,  mas carrega as marcas de seu sofrimento na memória, na alma e no rosto com uma notável cicatriz. Bem, vamos agora voltar a realidade: o polonês, João Paulo II também veio do leste europeu e enfrentou os mesmos regimes totalitários, mas sem o cárcere. Assim como Lakota que intermediou negociações com Kamenev (chefe do Kremlin no romance); Wojtyla negociou e atendeu Gorbachev.
Mas a profeticidade de “As Sandálias do Pescador” vai muito mais além, chegando até os tempos atuais, já que Lakota também tem muitas semelhanças com o papa argentino, Francisco. Há pouco mais de três anos, Francisco assumiu uma posição corajosa ao aceitar a teoria da evolução. Tudo bem que aceitou essa teoria com a crença em um Deus criador do mundo e dos homens; mas aceitou. O papa da obra de ficção de West também tinha uma grande simpatia pela tal teoria. E isto, há quase 55 anos, quando a teoria criacionista reinava de maneira absoluta e ai daquele que discordasse!
No romance, o papa russo criado por West também tinha amizade com um famoso teólogo da época chamado Telémond que defendia a teoria evolucionista, chamando-o, inclusive,  para passar uma temporada na sua própria residência no Vaticano.  Ao ver a sua obra hostilizada pela Igreja, e impedido por ela de divulgá-la, Télémond é vitimado por um ataque cardíaco e morre.  Após a morte do amigo, o papa Kiril, arrasado, não teve condições de se contrapor a decisão contra ele tomada pela Congregação do Santo Ofício.
E agora, voltando a realidade:  O papa Francisco  também nutre uma amizade enorme pelo teólogo brasileiro Frei Betto, um dos principais expoentes mundiais da Teologia da Libertação e que também era amigo pessoal de Fidel Castro. Para quem não sabe, Frei Beto é da mesma linha de pensamento de Leonardo Boff que por sua vez foi  punido pelo Cardeal Ratzinger, antes de se tornar Bento XVI, com um “silêncio obsequioso” pelo período de um ano, durante o qual ficou impedido de professar as suas idéias, inclusive de publicá-las.
A obra ficcional tem muitas outras semelhanças com a vida real, basta ler para tirar as dúvidas. Resumindo: “As Sandálias do Pescador” é o tipo do livro que imita a arte.
Quanto a trama, não é recomendável para os leitores que apreciam histórias mais ‘açucaradas’ ou então com ação e muito corre-corre. O enredo desenvolvido por West diz respeito ao poder transformador da fé e também a luta e persistência de um homem com boas intenções em tentar romper velhos paradigmas considerados arcaicos e ultrapassados.
West que antes de ser escritor foi jornalista e por isso, teve a oportunidade de cobrir os meandros do Vaticano. Ele escrevia matérias sobre a Santa Sé para um jornal americano. Com isso, o autor conhece muitos segredos papais, os quais também serviram de base para escrever o seu principal romance.
No meu caso, gostei. Bastante.                                           


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