Alta Fidelidade

05 novembro 2011
Há livros que tem o dom de conquistar os leitores logo de cara. Basta ler o primeiro parágrafo ou então as primeiras linhas e já nos tornamos reféns da obra. “Alta Fidelidade”, de Nick Hornby se enquadra perfeitamente nessa categoria.
Li o livro de Hornby no Reveillon de 1999, um ano antes de chegarmos no outrora, decantado “novo milênio”. Como me lembro? É simples. “Alta Fidelidade” marcou tanto a minha vida de leitor inveterado que se me esquecesse da primeira vez que o li, acho que estaria cometendo um sacrilégio.
É impossível para as pessoas que - como eu - viveram os inesquecíveis anos 70 e 80 não se identificarem com Rob Fleming, personagem central do romance de Hornby. Ou será que você nunca curtiu os discos de vinil e as fitas cassetes com aquelas melodias internacionais que rasgavam corações, tipo “Baby, I Love Your Away”, do Peter Frampton ou “How Can You Mend a Broken Heart”, dos Bee Gees; ou ainda a música contagiante do The Clash ou The Beatles? E que tal “Love Hurts”, do Nazareth? Ah! Tem os filmes também! Ou será que você não assistiu ou na pior das hipóteses, ao menos, ouvir falar, de “O Poderoso Chefão” e “Cães de Aluguel”? Um mais recente? Ok; vamos lá: “Red Dragon” (Dragon Vermelho)? Serve esse?
Pois é pessoal, esse é o contexto em que vive o nosso Rob Flerming. Com certeza, você que lê esse post, já curtiu horrores aquela dor de cotovelo ao ser largado, deixado, abandonado e ainda por cima esnobado por aquela garota pela qual você seria capaz de arrastar um caminhão carregado de cimento ou qualquer outra coisa que o valha. Mas um pequeno detalhe: no período em que você estava com a menina do seus sonhos, não conseguia segurar um “rabo de saia”. Dessa forma, se alguma outra garota pintasse na área, pronto! Lá ia o falso monogâmico correndo atrás, engrossando a voz e ajeitando os cabelos para passar aquela cantada na vítima.
Vai me dizer que nem mesmo em sua adolescência, você agia dessa forma? Vai me dizer que nunca levou um fora de suas namoradas e depois de curtir aquela fossa danada, resolveu ficar analisando os seus gostos e hábitos pra ver se descobria porque tinha sido abandonado? Vai cara, deixa a vergonha, um pouquinho de lado, e assume o seu lado “Rob Fleming”!
Rob Fleming é isso: um sujeito para quem a monogamia era quase um crime, até o exato momento em que leva um fora da namorada Laura. Quando a mulher da sua vida lhe diz na cara: “Rob, estive pensando sobre nós e acho melhor darmos um tempo”. A partir do momento que ele levou esse soco no fígado, nada parece mais consolá-lo. O mais recente abandonado começa, então, a fazer uma análise de sua vida para ver se descobre o motivo de ter sido colocado de lado. Entre essa auto-análise, como forma de tentar amenizar a sua fossa, Rob coloca em prática seu jogo lúdico predileto que é dissecar a vida em incontáveis listas das 'cinco mais' - canções, filmes, atrizes, etc. A partir daí, o leitor inicia uma maravilhosa viagem na cultura pop do final dos 70 e também dos anos 80, em sua totalidade. Por meio de suas listas das “cinco mais”, Rob nos presenteia com belas referencias musicais, cinematográficas e culturais; recheadas com comentários, às vezes ácidos, o que torna as suas listas ainda mais especiais. Deixe-me fazer um novo questionamento. Será que em sua fase pós puberdade, você não vivia fazendo essas listinhas bobas da cultura pop para matar o tempo quando se encontrava chateado com a vida? E quando digo chateado, vale principalmente pelo fora homérico do qual você foi vítima ou então por aquela cantada muito mal feita que lhe valeu uma sonora gargalhada na cara da menina que vinha sendo o seu alvo. Vai, confessa que fez... eu, pelo menos, vivia com a minha mania de listar as cinco ou dez músicas mais românticas, os cinco ou dez filmes de terror mais assustadores e por aí vai. Mania, aliás, que mantenho até hoje, como já deu prá perceber em alguns dos posts desse blog. Portanto, não tinha como não me identificar com o personagem criado por Nick Hornby. Ele é a cara de toda uma geração que viveu e curtiu os anos 70 e 80. Geração que cresceu ouvindo muito rock and roll, assistindo aquelas séries antológicas de TV e também vendo filmes emblemáticos nos cinemas que se tornaram cults através dos anos.
Cena do filme "Alta Fidelidade". Rob (John Cusak) ao lado do grande
 amor de sua vida Laura (Iben Hjejle) 
Logo de cara, na primeira página, antes de começar a contar os detalhes cômicos, tristes, trágicos e curiosos de sua vida, Rob já tasca a lista das cinco mulheres que mais o fizeram sofrer na vida, ou se preferirem, das suas “cinco separações mais memoráveis”, as suas “favoritas”. Só um detalhe: Laura não faz parte dessa lista. Como o próprio Rob explica, talvez, ela entrasse sorrateiramente numa relação das dez mais, já que as cinco mulheres que estão na lista lhe impingiram um tipo de humilhação e sofrimento que a sua eterna amada Laura, simplesmente não seria capaz de provocar. A partir daí, o personagem de Hornby vai dissecando cada um desses cinco relacionamentos e quais os motivos que levaram a uma separação tão dolorosa. Ele se relacionou com as mais diferentes personalidades femininas: dominadoras, dependentes, egocêntricas, humildes, etc.
Durante uma de suas auto-análises, Rob chega a conclusão que os homens tem que competir na sua faixa quando o assunto é mulher. Quem lhe ensinou as duras penas essa lição foi a sua ex: Sara. Segundo Rob; Sara era bonita demais, inteligente demais, engraçada demais, demais-demais. Ele, era o que? Apenas um peso médio. Não o cara mais esperto do mundo, mas também não o mais tapado. Enquanto isso, Sara nadava de braçadas como a mulher “mais mais do planeta”, e com todos os mérito, porque ela era mais mais, de fato. Neste ponto, Rob  manda ver as suas listas de filmes que justificam o seu grau mediano.  Aliás, quer saber quais os filmes, uma pessoa não muito esperta e inteligente demais, apenas mediana, teria mais empatia? Hã, hã... leia o livro e fique sabendo (rs).
Quanto a Laura, você deve estar se perguntando onde ela se encaixa no romance já que foi excluída da lista das “cinco mais”. Cara, ela é foi tão importante para Rob Fleming que ele lhe dedicou todo o restante do livro, só para ela! Enquanto suas cinco ex ficaram com aproximadamente 13 páginas, à Laura coube as outras 247 páginas do livro. Isso mesmo, 247 páginas!
Um dos momentos mais hilariantes e ao mesmo tempo angustiantes do livro é quando o novo namorado de Laura chega na loja de discos de vinil – da qual Rob é dono – para tirar satisfações, tendo assim, um contato tenso, mas engraçado com Rob.
As dúvidas afetivas, o existencialismo, a insegurança nos relacionamentos com as mulheres, as dúvidas sobre o sexo, medo de traições... tudo isso, é exposto de maneira autentica e sem artificialismos por Rob. Talvez pelo enredo ter essas características, a obra de Hornby tenha sido taxa de um “livro para homens” ou até mesmo uma obra machista. Não concordo. O livro serve, e muito, para as mulheres que passarão a conhecer bem mais a fundo a natureza dos homens, inclusive aquelas fraquezas e inseguranças, que nós fazemos questão de guardar a “sete chaves”, mas que o nosso “traíra” (rs) Rob faz questão de contar abertamente em sua auto-análise. Quanto a ser uma obra machista, nada à ver. Tá certo que Rob muitas vezes se mostra o sujeito mais egocêntrico e safado do mundo, mas por outro lado, como já disse, não esconde as suas fraquezas e derrotas.
O livro fez tanto sucesso que a Touchstone Pictures e a Dogstar Films compraram os seus direitos e lançaram nos cinemas em 2000, tendo no papel principal como Rob Fleming, o ator John Cusak. Destaque para a sua trilha musical memorável.
Enfim, “Alta Fidelidade” é um livro para ser devorado por qualquer homem ou mulher que esteja na casa dos 30 anos e que tenha tido a felicidade de acompanhar tudo o que aconteceu no mundo da música e da cultura pop dos últimos 20 anos.

2 comentários

  1. Depois de ler a resenha, me lembro vagamente de ter assistido ao filme... Lembro que tinha uma loja de discos, e das também que tinha umas ex maulucas... Vou procurar assistir de novo e ler o livro quando der.

    =)

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  2. Pode ler o livro que vc não vai se arrepender. Fantástico... bem melhor do que o filme, que por sua vez, é ótimo (rs).
    Grande abraço!!

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