O Destino do Poseidon

06 julho 2011
Todos nós devoradores de livros, ratos de biblioteca, leitores inveterados, sei lá, chamem-nos do que quiserem – o que importa é que amamos ler – temos um livro considerado o nosso amuleto. Aquela obra que guardamos com todo o carinho num lugar de destaque em nossa estante e que não emprestamos à ninguém. Quase sempre, esse “objeto de paixão” é  aquele exemplar raro que vínhamos tentando adquirir a anos ou décadas,  sem sucesso, mas num belo dia... pimba! Conseguimos! Então comemoramos com foguetório, churrasco e outras coisas mais, porque finalmente vamos saciar a nossa fome de leitura que já estava nos matando.
Exagero? Nenhum. Mas só quem ama ler vai entender o que representa esse frenesi, esse vício gostoso e salutar.
No meu caso, o livro que guardo como uma verdadeira relíquia chama-se: “O Destino do Poseidon”, de Paul Gallico. Lembro que na época, pelejei muito para conseguir um exemplar e só fui realizar o meu sonho após manter contato com um livreiro numa comunidade do Orkut. Ele conseguiu um exemplar à peso de ouro, mas mesmo assim, não pensei duas vezes e comprei o livro.
Porque queria tanto esse romance? É que na minha pré-adolescência já era apaixonado por livros que “emprestavam as suas histórias” (como eu costumava dizer naquele tempo) para o cinema. E me recordo que fiquei fissurado num filme onde um enorme transatlântico, após ser atingido por um vagalhão, virava de cabeça para baixo, fazendo com que um grupo de sobreviventes lutasse para chegar ao casco antes que a embarcação afundasse. Apesar de ser apenas um crianção naquela época, recordo que no filme tinha um pastor atlético que assumia o papel de líder do grupo; um tira grosseiro casado com uma mulher loira, mimada e mal educada; além de uma senhora gorda e simpática que no meio do filme, num gesto heróico colocava a vida em risco para salvar os seus companheiros.
No dia seguinte, após ter assistido ao filme, fui correndo até a biblioteca da minha escola e passei horas e horas lendo o livro e admirando as suas ilustrações. Acabei me apaixonando pelos personagens.  Anos depois, já adulto, o tal do livro voltou a minha memória reativando toda aquela vontade louca de relê-lo. Pronto, e lá vai este blogueiro de primeira viagem atrás da obra de Paul Gallico.
Hoje, tenho a edição de bolso, surrada, de “O Destino do Poseidon”, publicada pela Edibolso em 1978, como o meu talismã. E posso garantir que valeu a pena todo o sacrifício para adquiri-lo, pois foi um dos livros que mais me tocou, chegando ao ponto de me obrigar dar um tempo na leitura dos contos de “O Incrível Homem que Encolheu”, somente para reler a obra de Gallico. E olha que eu dei um “breque” numa obra de Richard Matheson! Para que você veja a importância desse meu talismã que guardo em minha estante como uma jóia lapidada.
“O Destino do Poseidon” conta a história de uma catástrofe em alto mar que prende o leitor da primeira a última página. O S.S. Poseidon, um antigo e gigantesco transatlântico convertido em navio de cruzeiro, transportando mais de 500 passageiros numa viagem de réveillon, é atingido por uma gigantesca onda que acaba virando o navio de cabeça para baixo. No meio dessa tragédia temos dois grupos de sobreviventes: um composto por pessoas conformadas que preferem aguardar o salvamento no meio dos destroços e outro grupo formado por aventureiros que decidem encarar uma viagem cheia de perigos até o casco do navio que se encontra na superfície. O livro é sobre esses aventureiros. Suas vitórias, derrotas, tristezas, alegrias, desentendimentos, traições, provas de amizade e coragem, durante essa jornada suicida.
Contextualizando dessa maneira, sei que passo a impressão de “O Destino do Poseidon” ser uma história com foco direcionado exclusivamente para a aventura e nada mais. Pois é mero engano. Paul Gallico foi inteligente o suficiente para não transformar a sua obra apenas num festival de pirotecnia com múltiplas explosões, inundações, turbinas e geradores pendendo de cabeça para baixo, aço retorcido e navio se desintegrando aos poucos. Ele deu “alma” a sua história. “O Destino do Poseidon” é antes de tudo, um livro que mostra o valor da amizade e do amor. Um livro que desnuda a alma dos seus personagens, expondo os seus medos, as suas virtudes e também os seus defeitos. Quanto a aventura, é evidente que tem, e em abundância, mas não é tudo.
Outra coisinha. Muitas pessoas deixaram de ler a obra de Gallico porque já haviam assistido aos filmes - ou com o Gene Hackman, em 1972 ou então aquela bomba monstruosa de 2006 com o Josh Lucas e o Kurt Russel - pensando que livro e filme são iguais. Outro engano. Os enredos são totalmente antagônicos. Muitos personagens do livro não foram incluídos na super-produção cinematográfica de 72, além do final ser bem diferente. Quanto ao remake “Poseidon”, de 2006, me recuso a tecer qualquer comparação com o livro, pois o filme dirigido por Wolfgang Petersen não é merecedor sequer de ser citado neste espaço, já que “assassinou” história e personagens da obra de Gallico que deve ter se revirado no túmulo quando soube do morticínio que praticaram com a sua obra de arte.
Um dos motivos que me levou a reler esse livro várias vezes, inclusive agora, foi a complexidade dos personagens. Imagine um Big Brother dentro de um navio de cabeça para baixo e prestes a afundar de vez. Como essas pessoas se comportariam numa situação de risco? É dessa forma que vejo o livro de Gallico.
O leitor vai conhecer o líder que assume a responsabilidade pelo bem estar do grupo, além do compromisso de retirá-los daquela situação de risco; a egoísta que só pensa nela, colocando a sua vida acima de todas as outras, sendo capaz de empurrar alguém no abismo somente para salvar a própria pele; o submisso que mesmo sendo humilhado e achincalhado está sempre do lado da sua “algoz” para o que der e vier; o gênio que tem idéias brilhantes nos momentos de perigo, quando todos acreditam que as esperanças já chegaram ao fim; além de muitos outros personagens complexos.
Do grupo dos 15 aventureiros que decidem iniciar a escalada até o casco do navio, quatro merecem atenção: Frank Scott, Belle Rosen, James Martin e Linda Rogo. O primeiro pela sua liderança que às vezes “beira” as raias da insanidade. Para padre Frank Scott – jogador de baseball aposentado - o que importa é conseguir salvar o maior número de pessoas, contando com ele, é claro. Por isso, o reverendo “joga duro” para conseguir o seu intento, nem que para isso, tenha que abandonar – sem nenhum remorso – os feridos ou então aqueles que se perdem ao longo da jornada. Para estimular os seus seguidores a chegarem até o casco do Poseidon vale tudo: elogios, críticas ou xingamentos. Uma liderança que após várias releituras aprendi a definir como “liderança visceral”. Um personagem que em alguns momentos da narrativa você ama e em outros, você odeia.
Belle Rosen é a matrona gorda e bonachona que na maior parte do tempo é um empecilho para o grupo. Por causa da sua obesidade, ela não consegue escalar as plataformas e as escadas que estão invertidas, obrigando o grupo a improvisar meios que a façam vencer os obstáculos. Nessa hora vale tudo, desde amarrar cordas em sua cintura e puxá-la para cima até empurrá-la por trás quando fica “entalada”. E no meio do livro, quando você já se habitua a ver a mulher bonachona como uma pedra na vida do grupo de aventureiros, eis que surge uma situação inesperada que pode colocar toda a missão em risco; um obstáculo que para todos os integrantes do grupo se torna intransponível, menos para Rosen, que após superá-lo com muita coragem passa a ser vista com outros olhos por todos, como uma verdadeira heroína.
Spoiller!: Quanto ao tímido, calado e insignificante, James Martin, a surpresa é ainda maior. Após a morte de Frank Scott, o pacato  Martin surpreende à todos reivindicando o papel de líder e passando a comandar o grupo com toda segurança e autoridade. Nem mesmo o brutamontes Mike Rogo ouça contradizê-lo, resignando-se a submeter-se ao seu comando.
Quanto a Linda Rogo, pode ser vista como a autêntica vilã do grupo. Egoísta, ardilosa, dissimulada, hipócrita e falsa. Junte todos esses ingredientes e tempere com muita maldade e você terá uma Linda Rogo. O seu egocentrismo atinge um nível tão alto que a vida dos seus colegas de jornada passa a não ter importância nenhuma. No seu amplo egoísmo o que interessa é salvar a sua vida, os outros que se danem.
Prepare-se também para ler trechos emocionantes e de muita ação, como o momento em que o navio vira após receber o impacto da onda gigante. Paul Gallico descreve em detalhes o que ocorre com o antigo transatlântico na hora do impacto. É algo de tirar o fôlego.
Então, esta aí! Um livro que merece ser lido e relido várias vezes. Agora, se você deseja adquiri-lo, mas está com receio de não encontrá-lo em nenhum lugar por se tratar de uma obra rara. Fique tranqüilo, desde o advento da implantação do portal Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br) , “O Destino do Poseidon” deixou de ser considerado uma obra rara. Acesse o portal e você verá que vários sebos disponibilizam o produto. E o melhor... à preços módicos.
Então, só resta dizer: embarquem nessa aventura e boa leitura!

4 comentários

  1. Respostas
    1. Helysson, se vc morasse na mesma cidade que eu, até que lhe emprestaria o livro, com prazer, mas como isso não acontece, o que posso fazer é lhe passar o lin onde encontrará o livro de Paul Gallico à preços bem módicos.
      Anote aí:
      http://www.estantevirtual.com.br/q/o-destino-do-poseidon
      Abcs!!

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  2. Poxa, tenho esse livro da Edibolso na minha coleção ainda embalado em seu plástico original.

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